X - A ambição do investigador

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O som irritante penetrou-lhe os ouvidos como se os tímpanos estivessem a ser perfurados por algo aguçado. Ele alçou o braço pesado de sono e tateou à procura do culpado pelo ruído ensurdecedor que o tinha arrancado tão repentinamente de um lugar calmo e quente, onde ele tinha podido, por fim, descansar sem remorsos.

Não sabia que estava tão cansado, nem sequer iria aceitar que a fadiga era de tal ordem esmagadora que precisava de dormir de uma forma tão completa – sem sonhos, sem conhecimento de onde se encontrava, sem receio de estar vulnerável. Ele não gostava de admitir as suas fraquezas, embora as tivesse como qualquer um dos meros mortais. Apreciava os apodos que indicavam que ele era super-humano. Se infundia temor, este vinha sempre antes do respeito e ele queria, acima de tudo, ser respeitado para poder completar a sua agenda sem entraves desprezíveis.

Estava numa cama – e mais estranho, estava na sua cama. Reconheceu o odor dos lençóis por lavar que retinham os perfumes estafados do seu próprio suor. Tinha de fazer uma cama de lavado, mas nunca arranjava o maldito tempo e, convenhamos, as tarefas domésticas ocupavam pouquíssimo tempo no seu esquema diário de prioridades.

Pois o que era estranho era como tinha ido ele chegado ao seu apartamento, quando não se recordava de ter conduzido da agência até ali. Nem se lembrava de ter entrado no carro, nem tão pouco de ter aberto a porta, de ter ido até ao quarto e de se ter deitado.

A mão calcou no despertador, só que o barulho prosseguia. Alguma coisa caiu ao chão e ele supôs que tivesse sido o candeeiro.

Gemeu quando entreabriu uma pálpebra pesada e viu que o despertador estava calado. O barulho vinha de outro lado. Soergueu-se aborrecido e olhou em volta. As persianas estavam corridas até metade e através da janela passavam faixas de luz indicando que a manhã chegara ao auge.

Praguejou ao saltar do colchão e tropeçou nas roupas espalhadas pelo quarto quando tentou avançar até a porta da rua, percebendo finalmente que o barulho vinha da campainha que soava estridente porque alguém estava a carregar nesta, chamando-o insistentemente.

Reparou, numa rápida avaliação, que dormira vestido. A camisa estava amarrotada e as calças torcidas em redor dos tornozelos. Tivera o bom senso, contudo, de tirar os sapatos. As meias cheiravam mal e despiu-as, atirando-as para o canto do quarto. Foi descalço até à porta, penteando os cabelos com um gesto rápido feito com a mão esquerda.

– Estou a ir! Estou a ir! – exclamou zangado à impaciência que alguém demonstrava do lado de fora.

Quando Poleris abriu a porta do seu apartamento deparou-se com Eric Crowe que carregava ainda no botão da campainha. O seu assistente levantou o dedo e o barulho, finalmente, terminou, para alívio da cabeça latejante do inspetor-chefe do FBI. Entortou o sorriso e cumprimentou com uma alegria deslocada:

– Bom dia, chefe! Perdeu a hora...

Ele revirou os olhos com a sua falta imperdoável. Detestava que o viessem acordar a casa, coisa que nunca tinha acontecido. Tentou lembrar-se se realmente nunca tinha acontecido e concluiu que aquela era a primeira vez que o vinham buscar à cama e sentiu-se miserável. Resmungou:

– Parece que me deixei dormir. Que horas são?

– Dez e meia da manhã, chefe.

– Porra! – Encaminhou-se apressado para a minicozinha que se separava da sala através de um balcão desarrumado, pejado de louça usada de jantares anteriores. – Queres café?

– Pode ser. Eu fico à espera enquanto se despacha, chefe. Hoje tínhamos um interrogatório, lembras-te?

Na verdade, ele não se lembrava. Ligou a máquina do café com uma sensação crescente de pânico e de incerteza. A sua mente, por ter sido acordado de uma forma tão rápida e violenta, ainda não estava totalmente desanuviada. Por outras palavras, não se sentia desperto, em pleno controlo das suas capacidades. O seu instinto estava a lançar-lhe avisos dispersos que ele não conseguia entender.

SentenciadosWhere stories live. Discover now