VII - A verdade

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O pouso da xícara sobre o pires de porcelana era o único som que ela fazia, enquanto o cientista mantinha-se à sua frente à espera das explicações que tanto deixavam-no ansioso. Repetia gestos como trepidar os joelhos e a bater o calcanhar no chão, numa tentativa de buscar um controle que poucas vezes conseguia exercer sobre si mesmo. Ele era alguém naturalmente nervoso – ter abraçado a ciência como profissão ajudava-o a dominar a sua impaciência natural. Apagou o cigarro num cinzeiro posto em cima da mesa. Nem a nicotina estava a acalmá-lo. Um fio de fumo acre evolou-se no ar antes de desaparecer.

– Então? – O ruivo finalmente rompeu o silencio após ver a moça de cabelos desgrenhados terminar o seu décimo gole de café enquanto mordia algumas torradas.

Amanda engoliu a última porção mastigada, revirou os olhos de modo sutil, passou as mãos na boca para retirar o farelo que ficou no canto dos lábios e disse:

– Desculpe... Eu estava faminta.

Falou sem que aquilo soasse como uma queixa e sim uma informação adicional de seu próprio estado. Precisava de se convencer a si mesma, também, de que não estava a abusar da hospitalidade do cientista. Queria ir para a sua casa, mas não iria perder a oportunidade de contar o que lhe queria contar, desde que o tinha reencontrado... vivo, no passado.

– Passei por algumas situações... complicadas nas últimas horas. Não quero que pense que estou aqui para me aproveitar do que quer que seja. Precisamos de conversar, nós os dois.

– Sim, sim... Estou a aguardar por essa conversa – disse o homem, enfastiado.

Então, ela devia começar. Ajeitou-se na cadeira de assento estofado, mais reta depois de fazer um balanço suave que a fez mover o traseiro.

– Bom...

Tomou coragem. Não sabia qual seria a melhor abordagem e decidiu-se, assim de repente, por apresentar-lhe provas físicas. Ele era um cientista, seria uma pessoa pragmática e direta. Olhou para Terris, colocou a mão por dentro da blusa pegando o relógio que era igual ao dele e o pousou na mesa do café.

– Acho que isso é seu... Ou era... Não sei... É difícil dizê-lo sem que pareça louca – afirmou, como se ela mesma achasse aquilo. De que estava afetada do juízo.

Terris olhou para o objeto de relance primeiro assim que este foi colocado à sua frente, depois para Amanda e tornou novamente ao objeto, prestando maior atenção. Deu um solavanco de onde estava sentado para tocar no relógio assim que o reconheceu. Parecia perplexo com a visão. Dedilhou-o e piscou um par de vezes até que finalmente abriu um sorriso que Amanda pouco entendeu.

Amanda nada disse. Na verdade, nem sabia se poderia dizer alguma coisa válida após observar a ação do cientista que em questão de segundos havia corrido para próximo de uma mesa baixo de centro, à frente do sofá cinzento de couro da sala, para um caderno aí pousado que abrira e onde fazia anotações silenciosamente. Corria os olhos pelo que ela julgava serem cálculos, movia alguns botões no objeto. Parecia ter se esquecido do principal da "visita em questão".

Ela lembrou-se que ele não sabia! Teria julgado que a visita fora apenas para lhe devolver o relógio... Mas havia o detalhe de como conseguira o objeto. Terris, como todos os cientistas, era distraído, focado apenas naquilo que era mesmo bom.

Olhou para ele, apreensiva com aquela atitude.

– Desculpe... Você realmente não quer saber como consegui isso? E por que estou aqui?

Ele, porém, nada respondeu. Terminava os frenéticos cálculos no papel ignorando que ela estava ali. Correu depois na direção oposta da sala puxando um quadro branco tomado de mais cálculos que estava atrás de uma cortina.

SentenciadosWhere stories live. Discover now