02 ESCOLHAS

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O por do sol amarelo inunda a paisagem como um filtro. Tudo que os últimos raios do horizonte tocam, brilham em tom dourado. Mesmo a carapaça de prata do dragão parece de ouro enquanto ele se aproxima voando.

A princesa perfilada ao lado do pai no jardim aguarda seu gigante protetor pousar sobre o gramado. Merak diminui a velocidade abrindo as assas para aterrissar, mas se aproxima mais que o normal e seus lábios se mexem rapidamente, fazendo-o assumir uma forma humana ali mesmo no ar.

O homem de cabelos prateados e olhos vermelhos cai em frente a Cintia já tocando suas bochechas com a mão de imitação humana. Os lábios finos do monstro roubam um selinho demorado e tranquilo.

— O que pensa que está fazendo?! — interrompe o pai puxando a filha para longe do monstro ainda surpreso em vê-lo na forma humana pela primeira vez.

— Essa formiguinha corajosa será minha fêmea. — encarou a mocinha que corou envergonhada e se encolheu nos braços do pai.

— Que pai permitiria que sua filha se casasse com um dragão? — Ziusundra protegeu a filha e se posicionou na frente da criatura.

Contudo Merak sentiu o cheiro da falsidade naquelas palavras.

"O covarde que enviava a filha para entregar os espólios anuais agora finge estar ofendido por um beijo. Esse humano acha que sou tolo?"

— Se deseja cortejar minha filha deve fazer a maneira dos homens, seguindo a cultura do rein...

— Não tenho tempo para essas bobagens.

— Não são bobagens! — interrompeu a mocinha com as mãos nas bochechas pensando besteira na cabeça — Papai tem razão, precisa me cortejar. Podemos passear pelo jardim, escreverei cartas com rimas para exaltar sua beleza, bordarei lenços com seu nome em prata, trocaremos presentes...

A princesa suspirava imaginando cenários enquanto o rei sorria vitorioso. Somente Merak olhava entediado, imaginando o quão complicado eram os rituais daquelas formigas, que nem tinham tempo de vida suficiente para enrolarem tanto nas decisões.

~ ~ ~

Já fazia dois dias desde que o dragão partiu prometendo ler os livros para aprender mais sobre esse comportamento — tedioso — que os humanos teimam em repetir em seus relacionamentos.

Cintia havia desistido de esperar mais aquela noite. Olhava triste para o espelho aguardado a criada pentear seus cabelos.

— Pode ir Lúcia, só quero dormir agora... Ele tinha muitos livros para ler, talvez demorem uma semana para aparecer. — resmungava entrando debaixo dos lençóis e abraçando o travesseiro ressentida.

Poucos minutos depois da criada sair a princesa ainda rolava pela cama.

— Por que ainda não veio para mim? Minha boca sorri só de pensar em ti. Mas como demoras. Fico a contar as horas. Não tarde a chegar, meu querido. Você mesmo disse que o tempo é corrido. Os humanos vivem pouco e os dragões mil bodas de ouro. O que farei nesse breve momento? Estás a tornar meus poucos dias um tormento. Merak...

O cheiro de chuva agitou as cortinas da cama e a luz da lua invadiu na forma de fios longos do cabelo do monstro. O dragão de corpo humano silenciou as rimas com um beijo e suas mãos percorreram o ventre a cintura de Cintia.

Alarmada vendo o homem desnudar o peito gritou — não! — o mais alto que pode. Os guardas chegaram primeiro irritando o monstro que tentou espanta-los com um olhar feroz de seus olhos vermelhos sangue.

Logo o rei e os criados atravessaram a porta. Merak viu que não teria mais privacidade e ergue a moça nos braços foi em direção a janela por onde entrara. Porém Cintia começou a se debater pedindo que a soltasse.

Guerra e DragãoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora