Capítulo XX

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1825

Naquele início de temporada de 1825, dois assuntos aqueceram as conversas da aristocracia. Não foram os negócios do governo ou nenhuma preocupação com forças externas. A primeira fofoca que ardeu em Londres por aqueles dias como sol do meio dia não era nada além de algo esperado: o duque de Milford, diziam, voltara ao mercado matrimonial passados três anos da morte de sua esposa. É possível se entender com perfeição como aquela notícia fora recebida pelas famílias com mocinhas casadouras ainda que a mão do duque viesse com o acrésimo de cinco crianças, fruto de seu casamento com lady Agnes. Uma sanha pouco vista antes tomou conta das casas de boas famílias que demandaram as suas modistas as mais belas criações apenas para deslumbrar o belo par de olhos azuis do duque.

O outro assunto fora motivo de surpresa para a sociedade: lady Graham, enfim, saira de seu estado de reclusão escocês e resolvera brindar aos londrinos com sua presença naquela temporada. Desde o casamento com o falecido e estimado barão de Ayton, a boa gente de Londres não tivera a oportunidade de por os olhos na muito divulgada e poetizada beleza de lady Graham, pois esta nunca frequentara o coração do Reino. Agora, havia um alvoroço em comprovar se, aos trinta e seis anos, a baronesa era de fato a beleza escocesa encarnada.

O que toda Londres não sabia era que seria no baile de lady Hereford que os dois objetos de sua atenção fariam sua primeira aparição da temporada. Como lord Hereford era ministro e gozava de uma reputação muito boa, o baile oferecido por sua esposa era certamente o marco da temporada não só pela variedade social mas pela qualidade de pessoas que atenderiam ao evento. Aquela noite, portanto, era uma boa noite para que George e Elizabeth apresentassem suas figuras aos seus pares.

O primeiro a entrar nos salões de Hereford Village foi o duque de Milford. Os anos, que somados já alcançavam quatro décadas, não haviam danificado a compleição de traços firmes e imponentes de lord Milford, pelo contrário. Os fios brancos que apareceram aqui e ali no cabelo negro dele davam certo verniz de autoridade a sua aparência. Não sorria com facilidade, guardando o capitão de fragata que o fizera se distinguir entre seus pares na Marinha. Ostentava ainda uma pouco usual barba que sempre destoava da aparência asseada dos demais cavalheiros londrinos, mas mesmo assim, gozava de um respeito único entre os bons homens da aristocracia. Diante desta descrição fica perceptível que a imagem de George ainda era intimidadora. Entretanto, sendo alvo de tão poderosa fofoca, as mães de moças solteiras enfrentaram seus medos de qualquer reprovação daquela figura e tão logo o duque pisou no recinto, elas o rodearam num movimento militar que daria inveja até a Napoleão.

Há certos casos de uma conexão tão forte que se pode perceber quando se aproxima a outra extremidade da linha que une duas pessoas. George pode sentir o exato momento que uma faísca dominou a atmosfera e atraiu seu olhar para a entrada do salão como se tivessem sussurrado ao ouvido para que mantivesse o olhar ali. Logo, alheio as conversas que o envolviam, ele identificou o objeto que o envolveu daquela forma: ela havia chegado. Por três anos, a baronesa e o duque não se viram. Voltando ao acordo silencioso de outrora, eles mantiveram contato por cartas longas e cheias de instruções de ambas as partes. Contrariando a intenção de manter frigidez e a distancia, cada carta tratou de aproximar lady Graham e lord Milford ao fazer com que um acessasse a rotina do outro.

A sensação da presença de Elizabeth ali sem que soubesse ao certo era, para o duque, a prova do quanto ela ainda subjulgava seu ser. Prova era a maneira levemente abobalhada com que ele encarava a figura que entrou no salão. A verdade era que não havia como não olhar de outra forma, pois o impossível havia se operado e ela estava ainda mais bonita, julgou ele ainda de longe. O vestido azul marinho adornava o corpo da baronesa que voltara a sua forma física normal sem os inchaços e deformidades que os constantes períodos gravida haviam lhe trazido. Já os ombros vinham delicadamente descobertos, provocantes e distrativos enquanto o busto ainda se revelava, mesmo sob o vestido, generoso como da última vez que o duque havia o admirado.

Entretanto não fora o corpo invejável para uma mãe de cinco filhos que chamou a atenção de George e os demais homens do salão. Era o rosto de lady Graham que conquistava a atenção, por ser de uma beleza impar. A pele parecia ter textura de uma pétala de rosa, sem mácula, saudável que se diferia da palidez das mulheres de Londres. Os olhos estavam longe de ser os de uma viúva triste, mas revelavam força e um riso secreto nos cantos. Os lábios eram cheios e encerravam um meio sorriso de quem guardava um segredo. O nariz tinha lá sua graça ao se mostrar levemente arrebitado, imperioso. Foi está figura de cabelos castanho avermelhados presos sem muitos adornos a não ser pequenas flores claras que atraiu a atenção da sociedade naquela noite.



O azul dos olhos teusWhere stories live. Discover now