Capítulo XXIII

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Por anos fechada, Graham Park era considerada a residência mais triste de Berkeley Square. Apesar da fachada imponente, a prolongada falta de uso deixara a residência londrina dos Graham com um aspecto de abandono. Entretanto, dois meses antes da vinda da família a capital, uma verdadeira operação militar fora feita pelos criados da casa a fim de recuperar o explendor e beleza dos anos passados quando a casa recebia os mais nobres personagens para festas animadas a moda escocesa.

Foi diante dessa casa que o duque de Milford desceu da carruagem naquela tarde, dois dias após o baile Hereford. Negócios o haviam impedido de estar ali mais cedo, mas compensaria a falta com um pequeno presente que ia inquieto nos seus braços: um pequeno cãozinho caramelo que resmungava desejoso de ir para o chão. O mordomo atendeu a porta e guiou lord Milford até o jardim quando este foi abordado por quatro carinhas curiosas que o observavam do alto da escadaria.

"É para a gente?", inquiriu o tom petulante do garoto mais alto cujos os cabelos castanhos de um vermelho profundo pareciam se rebelar contra todo tipo de pente e artimanha.

"É educado cumprimentar antes de perguntar por presentes, lord Graham", disse a voz grave do duque ao menino barão.

"Tio George, é normal andar com um cachorrinho assim em Londres? Os ingleses são mesmo esquisitos", suspirou o gêmeo mais robusto, Ian ao lado dos irmãos.

"Boa tarde, senhores", cumprimentou enfim com um meneio de cabeça enquanto tentava segurar o cãozinho que se remexia todo. "Bem, respondendo ao Patrick: este cão é para vocês sim e não, Ian, não é costume andar com um cachorro assim. E veja bem como fala dos seus irmãos ingleses", ralhou gentilmente se utilizando da sua autoridade de padrinho. "Agora, se o inquérito Graham foi encerrado, tratem de descer aqui e me cumprimentar, seus levados", o duque ordenou com um ar gentil e foi imediatamente obedecido, pois logo se viu cercado por quatro garotos fortes com um traço em comum: o olhar mais travesso do mundo.

Nos últimos três anos, Patrick, agora um rapaz de dez anos, ganhara altura e seria um homem forte certamente pela compleição robusta, lembrando o avô Mackenzie. O irmão que seguia, Gregory, tinha um ar mais sereno e pensador, era uma versão mais plácida do pai com exceção dos cachos ruivos que eram da mãe, que haviam adquirido aquela cor conforme fora crescendo. Os gêmeos Colin e Ian permaneciam diferentes: o primeiro era esguio e tinha os cabelos mais escuros enquanto seu gêmeo era roliço com olhos atentos. Os quatro garotos falavam sem parar fazendo perguntas a George enquanto tiravam o pobre cãozinho dos braços do duque.

"Mamãe não vai gostar disso, o senhor sabe, não é?", Greg afirmou com um ar reflexivo enquanto deixava os irmãos brincarem com filhote.

"Bem, vamos tentar, Greg. E de qualquer forma diremos que era um filhote abandonado para amolecer o coração dela", com um olhar travesso, o duque deu uma piscadela enquanto bagunçava o cabelo do garoto. "E falando nela, onde está lady Graham?".

"No jardim com a Audie e um almofadinha...um conde sei lá o que", Colin deu de ombros como se a informação fosse pouco importante. A George aquilo caiu como uma pedra, afinal esperava chegar e encontrar os Graham apenas para si, todos eles e sobretudo a mãe. O rosto, antes relaxado com os meninos, transformou-se numa carranca mal humorada que passou despercebida. Ainda que não tivesse a posse legal ou física da baronesa, saber que estava sendo cortejada por outros homens deixava com um humor irrascível.

"Tio!", uma nova vozinha mais delicada e ainda mais infantil do que as dos meninos o acordou de seu estado mau humorado. Logo uma garotinha de três anos surgiu correndo desajeitada na sua direção e se atirou nas suas pernas. A imagem da saúde e da beleza numa criança era Audrey Graham, agora com três anos. Tinha olhos felizes, castanhos e radiantes que junto com os cabelos ruivos sempre dispostos em duas tranças faziam dela uma menina irresistível de olhar. De imediato, George a trouxe ao colo e ela o beijou como uma filha faria a um pai.

"Estava se escondendo, minha fadinha sapeca?", inquiriu o duque com um olhar sereno que só as meninas Stanfield e a pequena Graham conseguiam lhe tirar.

"Não, senhor", negou a criança deitando a cabecinha manhosamente no ombro de George. "Estava ajudando a mamãe a receber o conde de Alton", informou preguiçosamente acomodada ali.

De todos os nomes que o duque não queria nem esperava ouvir em Graham Park, Alton certamente figurava no topo da lista. Apesar de libertino, o conde era conhecido por apenas investir em nomes conhecidos ou muito suspeitos como a viúva Kettlerley ou a ardente lady Belmount. Agora, no entanto, o homem parecia ferir seus princípios ao se aproximar de Elizabeth com aquelas intenções, o que era o suficiente para exasperar George. Mas seu humor estava para além da exasperação, aquela clara investida romântica de Alton era o suficiente para colocar em marcha o mau humor homérico do lord Milford, que, sob a aparente expressão de serenidade, criava imagens mentais de torturas dantescas com o conde por se atrever colocar Elizabeth na sua lista de amantes.

"Ah, agora entendi, mocinha, porque fugiu de mim", disse uma voz macia masculina cuja familiaridade fez o sangue do duque entrar em estado de ebulição. "Milford anda atraindo todas as pequenas da cidade e lady Audrey me parece que está nesta lista".

"Lord Milford!", de repente, a baronesa surgiu logo após seu convidado. Sua voz revelava o gosto que tinha pela presença de George ali com os filhos. Sua expressão era divertida com quê de quem havia deixado de rir há uma fração de segundo, o que deixou o duque ainda mais nervoso no seu interior. Elizabeth o cumprimentou com uma reverência e um aceno amistoso com a cabeça.

"Milady...", a voz saiu fria enquanto ajeitava Audrey no colo. "Alton, esta pequena está nos primeiros lugares do meu coração, certamente, mas não como deu a entender", havia claro aborrecimento no tom da voz do duque que tinha um olhar severo e cortante. Alton, por sua vez, tinha um olhar de desafio ao duque e o manteve até que o latido do cãozinho e risos dos meninos despertaram os dois homens.

"O que temos aqui?", quis saber a mãe das crianças se aproximando do círculo que seus meninos faziam. "Ora essa, qual dos senhores há de dar uma explicação?", questionou a mãe sem alterar seu humor ao ver o filhote correndo de um menino para o outro com ânimo redobrado pela atenção que recebia.

"Me perdoe, milady. Mas isto é obra minha", interveio o duque se aproximando da cena. Com cuidado, ele deixou a menina Graham se juntar aos irmãos para brincar com o bichinho. "Alguém abandonou toda uma ninhada ontem a noite. Como pode imaginar meus filhos abraçaram cada um para si, mas Alexandra vendo este ficar sem dono, insistiu que este fosse aos Graham e cá estamos. Fiz mal, senhora?", George se dirigiu a baronesa com um pequeno sorriso, permitindo esconder toda a raiva que sentia pela presença de Alton, numa expressão séria.

"Imagino que sua casa esteja uma barulhada só, Milford", foi a vez do outro homem intervir ao se aproximar do centro do assunto.

"Uma casa com cinco crianças nunca tem o silêncio de um convento, Alton", George retrucou secamente. "Se tivesse se aprumado na vida e procriado como Deus manda, saberia disso, senhor", concluiu o duque com um ar malévolo ao ver um traço de aborrecimento no seu adversário.

"Precisamente", concordou a baronesa com os olhos postos nos filhos totalmente alheia ao que se passava entre seus dois convidados. "Mais tarde, iremos discutir os termos de permanência do cão nesta família, senhores", lady Graham se abaixou e tomou o animal nos braços com mesmo cuidado e carinho de quem pega um bebê. O cão querendo agradar a dona roçou sua cabeça no braço dela como se pedisse carinho. "Lord Milford, deseja me acompanhar para o chá?", quando sua atenção voltou para George tinha um sorriso familiar como se aquele pequeno ritual fosse diário. Era engraçado, depois pensou, como toda rotina com George por perto se equilibrava entre o familiar e o especial.

"Apenas se for a sra. Amsntrong quem estiver a frente da cozinha", talvez fosse a presença dela ou a dos meninos, mas o duque encontrou humor para brincar arrancando um encantador riso de lady Graham.



O azul dos olhos teusWhere stories live. Discover now