O Cara

Capítulo Vinte e Sete

Lembranças anatômicas

Já fazia mais de duas horas que eu estava sentado no Bar do ''Tio Duck''. Um estabelecimento caindo aos pedaços escondido no meio da estrada que cheirava madeira úmida e incenso, mas em compensação, servia o café mais delicioso que eu já havia provado na vida, melhor até do que o de todos os hotéis luxuosos que eu já havia frequentado. Assim que terminei meu café apanhei meu jornal, coloquei meus óculos de sol e deixei sobre o balcão o dinheiro do café e uma gorjeta singela de 800 dólares. Era o mínimo que eu poderia fazer em troca do melhor café que eu havia tomado na vida. A garçonete arregalou seus olhos quando viu a gorjeta generosa. Certamente devia ter pensado que eu fosse algum tipo de assaltante de bancos, uma espécie de Robin Hood que rouba dinheiro das maiores redes de fast food do país para distribuir aos funcionários de estabelecimentos a beira da falência.

O sol estava tímido diante da brisa gelada naquela manhã na pequena e pacata cidade de Parsons no Kansas. Saindo do bar atravessei a rua em direção ao hotel onde Sarah e eu havíamos nos hospedados na noite anterior. É claro que poderíamos ter ido até o Colorado de avião, o que teria nos poupado muito mais tempo - e também nossas nádegas - mas eu ainda não havia superado o trauma do acidente dos meus pais. Não conseguia entrar em um avião sem relembrar aquele dia tão obscuro. Por conta disso optamos em ir de carro. Somente quando já estávamos na estrada a mais de seis horas finalmente paramos no hotel para descansar. Sarah não era de reclamar, ela era do tipo que prefere se adaptar as circunstâncias, porém, depois de um tempo, percebi que ela estava desconfortável dormindo no banco do passageiro. Ela não era a única. Meu dodge era um carro antigo, sem qualquer padrão de conforto para longas viagens e depois de tanto tempo sentado ao volante eu sentia que minha bunda provavelmente estivesse com um aspecto semelhante ao bob esponja. Com tudo isso aprendemos uma grande lição, carros antigos são lindos, excitantes, extravagantes e velozes, mas não são nada confortáveis.

Embora estivéssemos cansados e literalmente amassados da viagem, o fato de saber que já havíamos feito todas as provas no dia anterior nos tranquilizava. Em circunstâncias normais, teríamos que fazer as provas de cada disciplina em dias diferentes, o que levaria cerca de duas semanas, porém, convencemos o diretor da universidade a permitir que fizessemos todas as provas no mesmo dia, para que pudéssemos viajar ao Colorado.

Para nossa sorte, o diretor já estava acostumado com meus pedidos loucos. Percebi que ele ficou um tanto preocupado se Sarah e eu daríamos conta de realizarmos tantas provas diferentes no mesmo dia, sabia que aquilo poderia nos prejudicar, mas por fim acabou concordando.

Realizar todas aquelas provas em sequência foi uma experiência incrível. Quando os professores souberam que Sarah e eu, iríamos fazer uma sequência de provas no mesmo dia, começaram a apostar sobre qual de nós teria as melhores notas e, consequentemente, ganharia o título de melhor aluno da universidade. Porém, para nossa felicidade e tristeza dos professores, Sarah e eu obtivemos nota máxima em todas as avaliações.

Fazer todas aquelas provas no mesmo dia no entanto foi muito mais fácil do que tentar convencer os pais de Sarah a deixar ela viajar de carro comigo. Richard foi curto e seco e disse apenas um não e se retirou. Samantha no entanto era quem costumava dar a última palavra em casa quando o assunto eram os filhos. Ela ainda estava um pouco zangada por Sarah ter dormido fora de casa no dia de ação de graças e não ter avisado, o que dificultou muito o diálogo. Argumentou que tínhamos começado nosso relacionamento a pouco tempo e não achava certo viajarmos sozinhos, principalmente de carro, o que era algo perigoso. Depois de uma longa conversa onde expûs toda a história com meu avô, Samantha se comoveu e permitiu que Sarah fosse comigo para o Colorado, contando que ela ligasse todos os dias, e então partimos.