9- Memórias

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   Uma semana antes... 

# Alice # 

         Desde que Rafael partira que minha vida deixara de ter sentido. Queria ter-lhe dito que ele era tudo para mim. Que o adorava. Que não era capaz de viver sem ele. Ele me fizera ver que o amor não causava apenas sofrimento. Por vezes podia até produzir felicidade. Mas fora uma cobarde... Deixara-o partir. Nem um último beijo me deu. Mas que queria eu? Havia o rejeitado depois da noite maravilhosa que tivemos juntos. Ele apenas seguira seu caminho. Iria ajudar quem de verdade precisa de ele. Não podia obriga-lo a voltar. Apenas ele tinha o direito de tomar essa decisão.

" Alice. Não podes fechar-te para sempre nessa gruta."

" Deixa-me, Amara. A culpa é toda tua. Porque construíste aquela lagoa? Se não tivesses-te metido, Rafael ainda estaria aqui..."

" E quanto tempo achas que ele aquentaria aquela farsa? Ele transparecia desejo sempre que olhava para ti. Só tu não vias. Estavas tão obcecada nessa tua missão. Que não vias no belo anjo que tinhas a tua frente. Disposto a tudo para te conquistar."

" Eu podia ter evitado. Faria vê-lo que apenas podia ser sua amiga. Aos poucos ele perceberia. Ele encontraria uma bela querubim... Cumpriria a sua missão... E viveríamos todos felizes."

" Achas que seria assim tão simples. Até poderia se tu também não estivesses completamente apaixonada por ele. O que queres provar, Alice? Permite-te ser feliz uma vez na vida. A nossa mãe queria que tu o fosses. Ela ficaria maravilhada se soubesse que tu tinhas encontrado o amor da tua vida."

" O que sabes tu sobre o amor, Amara? Nunca te apaixonaste-te. Pareces mais o Ícaro ...  A fazer-se de cupido! E a fugir dos compromissos."

" Só queria-te ajudar. Desculpa se ofendi a grande sacerdotisa!"

Sempre a mesma... A mesma atrevida Amara. Disposta a fazer outros felizes. Mas tal como eu não queria se prender. Tinha medo de se apaixonar. Apenas queria-se divertir. Mas tal como eu ela não podia fugir da paixão. Ela acabaria por ficar completamente envolvida... E o pior é que sofreria muito até ter do seu lado aquele que amava. 

      Como queria ter neste momento a minha mãe para dizer que tudo correria bem! Mas ela havia partido. Meu pai a havia destruído. Iludi-a ... Afirmando que a amava, quando o que queria era apenas se divertir um pouco com ela. Por isso todos estes anos temi me apaixonar. Achei que todos os homens eram iguais ao meu pai. Iludiam as inocentes raparigas, prometendo mundos e fundos e abandonando-as a sua sorte. Mas enganara-me. Rafael jamais me magoaria como meu pai. 

Lembrava-me da última vez que vira a minha mãe feliz, conversando comigo: 

" Minha princesa... Como cresceste! Qualquer dia tornas-te numa bela mulher, e deixas a tua velha mãe para casares com um belo rapaz..."

" Eu nunca vou abandona-la. Não preciso de me casar. A Amara pode casar, e dar todos netos que a mãezinha quiser. Eu ficarei para sempre ao seu lado!"

" Isso é o que dizes agora, minha querida. Mas quando te apaixonares de verdade. Encontrares um rapaz capaz de fazer o teu coração parar... Só quererás ficar ao seu lado."

      De repente as lágrimas saltaram dos seus olhos. Devia-se lembrar do malvado do meu pai. Afirmara que a amava, e a abandonara quando soube que ela estava esperando um filho dele. Declarou que a filha não era dele. Que não podia ser. Ele era um anjo. Tinha uma outra vida. Vida da qual ela nunca faria parte. Como pode fazê-la sofrer assim?  E queria a minha mãe que eu  me apaixonasse. Para sofrer como ela. E ser renegada depois. Eu nunca me apaixonaria. 

" Não chore, mãezinha. O pai não merece essas lágrimas. Ele abandonou-a. E nunca nos aceitou. Nem uma única vez veio ver a mim e a Amara. Onde está esse amor que ele diz que tinha por si? E a mãe quer que eu encontro um rapaz, que me faça sofrer assim. Eu prefiro..."

" Não digas nada que te possas arrepender, Alice. Nem todos os homens são iguais a teu pai. Alguns são um verdadeiro poço de ternura... Capazes de qualquer coisa por a mulher que amam. Eu tenho fé que quando eu partir deste mundo... Tu e a tua irmã encontram um companheiro que será a vossa casa!"

Foi  a última vez que conversei com ela. Minha mãe nessa altura definhava dia para dia. E só com esforço mantinha-se viva, para dar os últimos conselhos as suas duas filhas queridas. Mas naquele dia ela se havia esforçado demais. No dia seguinte ela simplesmente não aguentou mais, e deu o seu último suspiro... Foi o dia mais miserável de toda a minha vida. Lembro-me de tudo. Dos olhos cansados da minha mãe. Do seu abraço de despedida. Das suas últimas palavras "diz a teu pai que o perdoo" . E depois todo ficou vazio. Só as minhas lágrimas, e as de Amara quebravam o silencio.  Apoiamos-nos uma na outra. Eu tornar-me numa mãe para ela. Protegendo-a de todo, e todos. Tentava ser forte. Mas por dentro sofria. 

      Todo mudou com a chegada do nosso pai. Soubera da morte da nossa mãe. E queria nos levar para o nosso verdadeiro lar. Como se atreveria ele? Queria nos afastar do único lugar onde nós fomos felizes. Já não bastava ter matado nossa mãe? Agora queria obrigar-nos a abandonar sua casa. Não quis ir. Revoltei-me contra ele. Humilhei-o. Declarei que o odiava. Que ele era um monstro. Que nunca havia amado minha mãe. Mas tudo foi in vão. Ele havia conquistado a minha irmã. E só por ela foi capaz de abandonar minha vida mundana. A vida no Paraíso não foi tão terrível como pensava... Aos poucos eu aprendi a amar aquele lugar. Fazia novos amigos. Criava raízes. E até simpatizava mais com o meu pai. Estava chegando ao seu fim. Ele teria de partir para outra dimensão.

"  Pensava que os anjos eram imortais?"

" Nem todos os anjos vivem para sempre. Alguns tomam más decisões na vida, e acabam castigados."

" Foi isso que aconteceu consigo?"

"Sim, minha filha. O preço de ter abandonado tua mãe foi a perda da imortalidade. Como eu queria poder voltar a trás? E ter dito a ela que a amava. Mas foi um cobarde. Abandonei a ela, e as minhas duas filhas. Ela morreu pensado o pior de mim."

" Ela o perdoou pai. Foram as suas últimas palavras. A mãe pediu para lhe dizer que o havia perdoado. Não sofra mais. Eu também o perdoo. Cometeu um erro. Mas todos cometemos erros. O mais difícil é admiti-los!"

" Eu não mereço o vosso perdão, Alice. Sei que o que fiz foi imperdoável. Fico feliz que a tua mãe não morreu com essa mágoa no coração. E só quero ter a oportunidade de vê-la mais uma vez, e declarar todo o que não tive coragem de dizer quando ela era viva. Só espero não ser tarde de mais."

" Tenho a certeza que a mãe está a sua espera. Ela nunca o deixou de amar. "

" Antes de partir ... Quero que saibas Alice... Que eu quero o teu bem, e o da tua irmã. Quero que ambas sejam felizes, e encontrem todo o que desejam. Que encontrem um companheiro que seja a vossa casa!"

Depois partiu. Penso ter encontrado minha mãe. Declarado todo o seu amor, e vivido a história que não teve hipóteses de viver quando era vivo. Devia estar olhando por mim neste momento. Desejando que eu recuperasse a felicidade que perdi. O que poderia fazer para trazer Rafael de volta? Antes de partirem meus pais afirmaram as mesmas palavras... Queriam que encontra-se um companheiro que fosse a minha casa. Eu o havia encontrado. Mas o deixara escapar das minhas mãos. 


A guardiã dos destinos ( Anjos guardiões, livro 2)Onde histórias criam vida. Descubra agora