11ª dose

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A convivência pode ser cruel.

Já faz algumas semanas que moro com Ítalo. A convivência tem se tornado mais fácil e menos constrangedora, pelo menos é o que acredito. Estou me acostumando com a rotina dele; já consigo prever quando ele se levanta e quando vai para a cama. Da mesma forma, ele também está se acostumando comigo e com meu jeito.

Fui à escola algumas vezes. Tenho ido com mais frequência. Minha barriga está começando a crescer um pouco, mas faço o possível para escondê-la com meu uniforme largo. Felizmente, até agora ninguém parece ter notado, e Jessica tem sido bastante discreta em relação a isso.

Escuto Ítalo mexer em algumas coisas e logo ouço sua voz.

— Acorda!

Ítalo abre a cortina e fala em um tom alto. Em poucos segundos, o quarto está completamente claro. Apesar do sol forte, típico do Rio de Janeiro, prefiro ficar debaixo das cobertas porque não estou me sentindo bem. Sinto uma mistura de cansaço com algo se revirando em meu estômago. A claridade do quarto piora o meu desconforto, então puxo a coberta mais para cima, tentando me esconder ao máximo debaixo dela.

— Eu não estou bem! — digo em um sussurro.

— São nove e trinte e sete — ele diz, conferindo o relógio em seu pulso. — Está fazendo um sol bem quente lá fora, e você nunca levanta tão tarde assim.

Aqui tenho me acostumado a acordar cedo. Geralmente já estou de pé antes das oito, mesmo aos finais de semana, mas hoje não me senti muito bem, então fiquei deitada com os olhos fechados.

— Eu não estou bem! — repito, aumentando o tom de voz.

— O que você tem?

Tiro a coberta da minha cabeça para olhar para ele enquanto respondo. Ítalo está de pé passando um perfume forte. Sinto meu estômago se revirar ainda mais com o cheiro.

— Estou com um enjoo muito forte.

Estou no final do primeiro trimestre e agora que o enjoo resolveu fazer parte dos sintomas. Meu estômago está completamente revirado e o vômito quase atinge minha garganta. Se eu falar mais um pouco acho que vou vomitar todo o quarto de Ítalo.

— Grávidas sentem enjoo. Fala com a minha avó. Pede um remédio ou chá. Eu sei lá. Pede algo pra ela.

Ele vira de costas e mexe em algo em seu armário. Ele não está me olhando mais. Ítalo pega seu celular e digita algo, sorrindo para a tela. Gostaria de saber o que é, mas ao mesmo tempo me sinto desconfortável.

— Você vai sair? Pra onde?

— Futebol!

— Fica só hoje aqui comigo, por favor.

Não sei o que estou sentindo, mas quero Ítalo comigo. Pela primeira vez, quero recusar a presença dos meus pais, Yara e, até mesmo, Jessica. Sinto que não posso negar que o que mais desejo é passar a tarde inteira deitada ao lado dele ou apenas saber que ele está aqui perto. Sou eu que estou carregando, mas a gravidez também é culpa dele. Ele deveria ficar aqui comigo enquanto enfrento os desconfortos da gravidez.

— Jamais que perco meu futebol. Qualquer coisa grita minha vó. Fui!

Ele sai do quarto e, na mesma hora, me sinto estranhamente vazia e com raiva. Tudo bem que eu sou apenas a mulher que está carregando o filho dele, mas isso me magoou. Desconstruiu as cenas dos filmes românticos que vivo assistindo. Nunca vi um filme em que o cara deixa a mulher, grávida de seu filho, em casa passando mal. Mas também nunca vi um filme em que a mulher seja insana o bastante para aceitar morar com um homem que nem é seu marido, apenas porque está grávida dele. Nesse enredo, eu sou inexperiente.

Passo a tarde toda me revirando na cama tentando conter o enjoo, mudando de posição a todo momento. Nem a ressaca me deixava assim. Vomitei um pouco no fim da tarde. Fico vinte minutos sentada no chão do banheiro com medo de ir para a cama e não conseguir levantar novamente, acabando por vomitar em tudo. Não sei se daria tempo de limpar, nem qual seria a reação de Ítalo, nem como me sentiria por estar nessa situação tão humilhante. Yara entra e fica sentada na beirada da cama de Ítalo, perguntando a todo momento se quero que ela me leve a uma UPA, pois só com aconselhamento médico posso me medicar. Não quero. Ela não merece esse trabalho.

Ela entra de cinco em cinco minutos no quarto, perguntando se melhorei, se quero algo e se estou sentindo mais alguma coisa. Quero chorar, e é isso que faço quando ela sai e fecha a porta. Ainda estou chateada por estar grávida. Não quero estar nessa situação e sei que foi irresponsabilidade minha e de Ítalo. Queria que ele estivesse ao meu lado, segurando minha mão enquanto assistíamos a um filme idiota da Globo. Mas ele não fez isso. Passei a tarde inteira querendo que ele entrasse no quarto e dissesse que errou ao me deixar sozinha, e que desistiu do futebol para ficar aqui comigo. Só que isso não aconteceu. Malditos filmes românticos!

Pego meu celular entre as cobertas, e mando mensagem para Jessica:

Julia: Não dá para suportar isso :( - 16:27

Jess: Calma, me explica! - 16:28

Julia: Estou com tanto enjoo que sinto que vou vomitar meus órgãos a qualquer hora, e o IDIOTA do Ítalo foi jogar futebol. - 16:30

Jess: Nunca vi um cara tão babaca! Eu vou aí, ok? - 16:32

Julia: Não precisa. Vou tentar dormir. Jess, eu te amo. - 16:33

Jess: Tem certeza? Também te amo! - 16:34

Julia: Sim, Yara me deu um chá. Vou tentar dormir para não pensar em mais nada. Até mais. Obrigada por tudo ♥ - 16:37

A vontade de conversar simplesmente sumiu. Eu não quero ficar reclamando o tempo todo. Isso também tem me deixado exausta. Resolvo silenciar e bloquear o meu celular, deixando na cômoda ao lado. Aproveitando que tenho sentido muito sono, adormeço. Não quero pensar em mais nada que vem acontecendo.

Três horas depois, acordo com Yara gritando com Ítalo.

— Ela está carregando o bebê de vocês!

Nunca vi Yara se irritar dessa forma com Ítalo. Ela é a pessoa que está sempre sorrindo em qualquer ocasião.

— Você está aqui! Cuide dela já que se preocupa tanto.

Realmente, ele é um babaca. Me sinto como uma boneca sendo descartada em algum canto.

— Você também tem que se importar. Quando você vai ser responsável? Ítalo, você vai ser pai! Acha que é fácil para ela?

— Acha que é fácil pra mim?

— Eu nunca te desamparei. — Ouço o tom de choro de Yara. — Não faça isso com o seu bebê, por favor. Ela só precisava de você aqui. Não precisava ter dito e nem feito nada. Ítalo, não faz isso.

— Vó, eu...

— Você sabe como isso pode terminar. Você mais do que ninguém sabe!

Ela fala em um tom mais baixo, parecendo que vai contar alguma coisa. Pego meus fones e coloco uma música do Ed Sheeran. Se eu fosse rica, o contrataria para cantar todas as noites na minha casa. A voz dele me acalma, e eu não quero ouvir mais nada. Cansei de Ítalo.

Ítalo me trata como se eu fosse um objeto mal feito. Sou uma perturbação na vida perfeitinha dele. Cada vez que sinto que estamos prestes a nos tornar amigos, ele dá um passo atrás, mostrando que com ele as coisas não serão tão fáceis assim.

Já estou quase pegando no sono ao som de "Thinking Out Loud" quando Ítalo entra no quarto e se deita ao meu lado. Faz uns dias que tirei a coberta separando o meio da cama. Tola! Achei que tudo ficaria bem. Ele cheira a sabonete. Tomou banho no outro banheiro, provavelmente, porque não quer me encarar hoje. Não quer me ver. Ele fica deitado de barriga para cima por um longo tempo. Ouço-o fungar algumas vezes e sei que está acordado, mas não dizemos nada. Percebo que ele olha para mim. Consigo sentir seus olhos na minha direção. Fecho os olhos com força e tento dormir. Não quero ouvir nada vindo dele.

Quando estiver sóbrio (COMPLETO)Where stories live. Discover now