16ª dose

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Há guerras que temos que lutar, mesmo sem termos escolhido participar.

Passei meu fim de semana na casa de Jessica. Foi bom fazer coisas como antes. Por exemplo, deixei minha amiga doida pintar minhas unhas, cada uma de uma cor, e testar os tutoriais de maquiagem em meu rosto. Foi um momento de descontração e diversão que eu precisava depois de toda a confusão com Ítalo.

O chupão que Ítalo deu em meu pescoço ficou forte o fim de semana todo, e Jessica implicou bastante comigo. Cada vez que eu me olhava no espelho e via aquela mancha vermelha e roxa em minha pele marrom, uma estranha vontade de beijar Ítalo surgia em mim. Mas eu sabia que era um desejo errado, quase humilhante.

Resolvi voltar para casa no domingo à noite. Não para minha casa, mas para a casa de Ítalo. Por enquanto, ainda estou pensando se é correto voltar a morar com meus pais, e sei que é. Mas se apaixone por um garoto e um ano depois fique com ele. Após isso descubra gravidez. Talvez você perca um pouco o discernimento sobre o que é certo e errado. Eu perdi e não estou conseguindo mais achar.

Abro a porta com a chave que Yara me deu. Já passa das onze da noite, então ela está dormindo. Vou ao quarto tentando não fazer barulho para não acordá-los. Assim que abro a porta, vejo Ítalo beijando uma menina na cama e ela está sem blusa. A menina me olha assustada quando jogo a chave com força na mesa, mas ele finge que eu nem estou ali. Ele começa a beijar o pescoço dela e agora sei que é assim que ele quer jogar comigo.

— Você disse que é solteiro!

A menina levanta da cama procurando a única peça de roupa que Ítalo conseguiu tirar até eu chegar. Ela está envergonhada e eu sinto muito por isso. Sinto até pena dela, mas não consegui virar as costas e ir para a sala, aguardando que eles terminassem de transar. Não sou tão evoluída assim.

— E eu sou!

— Eu sou apenas a mulher que está esperando um filho dele. Apenas isso. Ele é solteiro. Aproveitem, mas rapidinho porque eu quero dormir — esclareço tudo com um sorriso no rosto.

Volto à sala e não passa cinco minutos até a garota sair do quarto gritando que ele havia mentido e que tinha uma mulher. Estou dividida entre rir da cena e ficar chateada com o que acabo de presenciar. Ver Ítalo beijar outra foi como um soco no estômago. Yara levanta assim que a menina bate com força ao fechar a porta. Ítalo não vai atrás. Pelo jeito, é sempre assim. Sinto pena dela. Não queria estar em sua pele, mas estar na minha pele é pior porque ela saiu, e eu continuo aqui.

— O que é isso? — Yara questiona, esfregando os olhos.

— Pergunta ao seu neto!

Eu estou cansada disso tudo. Não quero fazer parte desse jogo que Ítalo vem fazendo. Não sei o que ele pensa, mas está complicado viver assim. Se ele quer ficar com outra, por mim tudo bem. Não temos nada mesmo, mas há limites que devem ser respeitados. Ele concordou que eu morasse aqui, então já deveria saber que garotas no quarto não eram uma opção aceitável.

— Por que você disse aquilo? — ele diz, olhando fixamente para mim.

— Eu disse a verdade! — grito.

Estou com raiva e a única coisa que quero fazer é gritar. Sei que não resolve, mas não consigo falar baixo enquanto Ítalo está na minha frente com a boca vermelha de tanto beijar outra pessoa, dias depois de ter se arrependido por ter me beijado.

— O que houve, minha querida?

— Esse vagabundo levou uma garota para o quarto e eu disse para ela que não sou casada com ele. Só isso! Eu não menti.

— Vagabundo? A forma que você disse parece que somos casados — ele diz, irritado.

A briga continua assim: Yara sendo ignorada enquanto Ítalo e eu gritamos.

— Eu não aguento mais você! — exclamo.

— Minha querida, você não pode ficar nervosa.

— Eu te odeio, Julia!

— Da próxima vez, vá para o motel! — enfatizo.

Ítalo balança a cabeça, desviando o olhar. Sinto uma sensação ruim. Passei o fim de semana inteiro sem contato com ninguém, apenas sendo mimada pela minha melhor amiga. Fui à casa dos meus pais no sábado e também fui mimada por eles, apesar de me lembrar por que saí de lá. Agora chego aqui e recebo a pior versão de Ítalo.

Eu não quero encostar nele. Não quero olhar para ele. Não quero sequer manter contato com ele, mas não posso simplesmente voltar para casa de Jessica, nem para a minha. Não é seguro pegar um ônibus sozinha a essa hora, e também não é algo que eu queira fazer. A frustração que sinto por conta do que vi me deixou com uma sensação de vingança. Agora, desejo entrar no jogo dele e ver quem consegue ser mais idiota.

— Puta que pariu, transar com você é o meu maior arrependimento!

Ele vai até a cozinha e eu o sigo. Suas palavras me magoam de uma maneira que não deveriam. Respiro fundo, tentando me envolver nesse jogo do qual ninguém sai ganhando.

— Acha que estou feliz? Se você me observasse, perceberia que não estou confortável com essa situação. Você poderia facilitar tudo, mas só sabe cometer uma merda atrás da outra. Transar com você é meu maior arrependimento também. Eu te odeio tanto, Ítalo!

— Vou dormir na casa do Diogo. Cansei!

Ele passa por mim sem me encostar e vai para o quarto. Não quero continuar nesse ciclo em que um de nós sempre precisa dormir na casa de outra pessoa. Quero aquele Ítalo que se preocupou em perguntar à médica sobre o meu enjoo.

— Vocês precisam de uns tempos sozinhos. Há algo que os dois devem gostar um no outro. Vão ter um bebê. Estão ligados pra sempre. — Yara percebe minha feição e coloca a mão em meu ombro. — Fica calma, minha querida.

Eu quero chorar alto, como uma criança que caiu do balanço e se ralou toda, mas não vou dar esse prazer para Ítalo. Não permitirei que ele saia vitorioso de uma guerra na qual nem sabia que tinha entrado. Sei que Yara tem razão, mas é difícil conversar com alguém que não quer conversa. Não importa que vamos ter um bebê juntos. Isso não é motivo suficiente para ficarmos juntos. Podemos nos relacionar bem como pais, mas amizade ou qualquer outra coisa jamais daria certo.

— Ela veio aqui enquanto eu estava fora?

É a única coisa que pergunto para Yara. Ela balança a cabeça negativamente, e eu me ajeito no sofá tentando acalmar meu coração.

Eu não deveria pensar tanto nele, mas a falta de reciprocidade nos faz cismar com alguém. Se ele me amasse tudo seria mais fácil. Só queria que meu bebê nascesse em uma família feliz, assim como a minha, mas estou percebendo que não será dessa forma. Talvez possamos encontrar felicidade separadamente. Parece ser a única opção, já que ele não me oferece outra.

Ítalo sai sem olhar para minha cara por um segundo sequer. Yara passa a mão em meu ombro, e eu balanço a cabeça como se entendesse aquele diálogo silencioso. Posso ouvir minha mãe dizendo para ter calma, que tudo vai dar certo. Mas calma é algo que não consigo sentir agora. Meu coração bate tão rápido que parece que vou desmaiar a qualquer momento. Minhas mãos estão suadas. É hora de voltar para o quarto e dormir.

Assim que entro, puxo os lençóis da cama e vou até a pequena área que fica atrás da casa. Enfio os lençóis e as fronhas dos travesseiros na máquina de lavar e volto para o quarto. Yara está na sala me observando, mas não diz nada. Volto ao quarto e tranco a porta. É como se Ítalo ainda estivesse aqui, beijando outra pessoa. É como se eu sentisse o perfume dela impregnado no colchão. Olho para o quarto e os imagino transando em cada canto.

— Por que você faz isso comigo? — questiono.

Não me importo com horário. Não me importo com vizinhos. Não me importo com Yara e, por um momento, não penso se aquela atitude fará mal ao meu bebê, mas eu preciso colocar para fora o que sinto. Então, quando pego lençóis limpos no armário, os aperto com força em minha boca e grito o mais alto que consigo. Por fim, choro como uma criança que acabou de perder seu brinquedo preferido.

Quando estiver sóbrio (COMPLETO)Where stories live. Discover now