40ª dose

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Por causa do fim da gravidez e dos novos problemas que surgiram, decidi prolongar o tempo da terapia. Inicialmente, seria apenas por um mês, mas concordamos que não avançamos em nada, então achamos melhor estender. Ítalo, obviamente, não achou uma boa ideia, mas fizemos um acordo de que se todas as sessões se concentrarem em Rômulo, desistiremos. Antonella se esforçou para evitar o assunto, mas depois que Rômulo entrou no quarto de Ítalo, trancou a porta e o obrigou a ouvir tudo o que ele tinha a dizer, tivemos que conversar sobre isso. Achei um absurdo toda a situação, mas não consegui dizer nada para Ítalo.

Basicamente — e o que eu consegui ouvir atrás da porta — Rômulo deu uma desculpa bem superficial e disse que ainda há tempo para eles construírem algo juntos. Ele reconhece que errou, mas está disposto a se redimir. Não acreditei na conversa dele, mas Antonella insistiu tanto para que Ítalo desse uma chance que agora eles estão saindo de casa para assistir ao jogo do Flamengo no Maracanã. Estou com medo do que pode acontecer, mas é algo em que não posso me intrometer.

Eu estava abismada com tudo o que vinha acontecendo. Não consigo acreditar que uma pessoa pode desaparecer por dezoito anos e, como num passe de mágica, reaparecer querendo recuperar o que perdeu. Dezoito anos não podem ser recuperados. Há tanto que ele perdeu! Ítalo não pode voltar atrás e dar o primeiro passo, falar a primeira palavra, ter o primeiro beijo, escolher um time. Nada! Mas eu não vou estragar a felicidade de ninguém. Todos estão felizes com essa história. Menos eu. Mas isso não é sobre mim.

— Você está incomodada com algo, minha querida? — Yara diz.

Só estamos nós duas em casa. Vim arrumar algumas roupas do Valentim. Não consigo disfarçar minha cara de insatisfação quando ela começa a contar que agora acredita que tudo vai dar certo e que Rômulo e Ítalo estão felizes.

— É que... meu Deus, como ele pode desaparecer por tanto tempo e voltar agora como se não tivesse saído daqui um dia?

As palavras saem da minha boca de forma que não consigo controlar. Yara não precisa ouvir as minhas queixas, mas é difícil saber que Ítalo está com alguém que acredita que dezoito anos podem ser recuperados. Eu não tenho nada a ver com isso, sei disso, e também Yara pode estar me achando uma chata que se mete em uma vida que não é minha, mas não consigo fazer parte do grupo de quem olha as coisas erradas e não opina, não se mete, não se coloca no lugar. Ver Ítalo tremendo, quieto e bebendo mais do que pode aguentar, faz eu ter coragem de aceitar qualquer título que queiram me colocar.

— Há coisas que não têm explicação, minha querida.

— Eu estou grávida e tenho dezessete anos. Parei a escola porque eu não sei lidar com muita coisa ao mesmo tempo. Morei com o pai do meu filho e não nos aguentávamos. Eu pensei em desistir, deixar tudo para trás, mas eu não abandonaria meu filho — eu seguro gentilmente a mão dela. — Ele te deixou por dezoito anos também. Não é justo com vocês.

— Ele não me deixou. — Ela confidenciou. — Em dezoito anos, recebi alguns telefonemas no meu aniversário, no Natal, no fim de ano e coisas assim.

É um choque saber disso. Eu só estou na vida dela há poucos meses, mas me sinto como se fosse da família. É injusto Rômulo agir assim. Ele não quis um filho e deu um jeito de deixar Ítalo com uma pessoa incrível, e tudo bem. Mas ele não precisava voltar e mexer com a cabeça de Ítalo depois de dizer que não dava para amar quem não criou. Parece que ele não tem sentimentos por ninguém, ou talvez eu esteja tendo sentimentos demais.

— Por que não disse isso a Ítalo?

— Porque ele manteve o desejo de não querer filho. Ele não perguntava nada sobre Ítalo.

Respiro fundo levando minha mão esquerda a minha barriga. Sinto que vou chorar. Ítalo está agora ao lado de um cara que nunca quis saber dele. Fico quieta pensando que é melhor eu me manter assim. Vou seguir o que Jessica e meus pais dizem. Esse problema não é meu.

Vejo a felicidade estampada no rosto de Ítalo quando ele abre a porta animado, falando sobre o gol que sei lá quem fez. Ele beija a minha barriga e continua sua conversa com Rômulo. Eles parecem felizes e eu não vou estragar isso. Vou parar de ser rabugenta e, mesmo não acreditando, ficarei feliz também. Talvez agora, mais maduro, Rômulo fique, e talvez Ítalo precise disso. Não sei quanto tempo esse conto de fadas vai durar, mas pensarei positivo. Ítalo merece receber todo o amor do mundo. Talvez eu esteja exagerando com as minhas dúvidas.

Após Ítalo tomar banho e eu anunciar que vou embora, ele diz que tem uma surpresa. Coloca as mãos na frente dos meus olhos e me guia até um cômodo. Quando ele retira as mãos para eu enxergar, meu sorriso se abre e tenho vontade de beijá-lo. O quarto de Valentim está todo arrumado.

— Só verde ficaria estranho — ele diz, envergonhado.

O quarto está pintado de verde com listras cinza. Reclamo com as minhas paranoias que me fizeram pensar que o quarto seria de Rômulo e olho cada cantinho. Tem desenhos espalhados por todos os lados. O nome do Valentim está escrito bem grande na parede acima do berço, e dois quadros com ursos desenhados ficam nas pontas. O berço, o armário, o carrinho, a cômoda e um tapete grande, daqueles bem fofos, deixam tudo mais bonito. Olho para o canto da parede e há uma cama com colchas combinando com o quarto.

— Então isso é... — Não sei como terminar a frase.

— Pra você!

— Os desenhos foram...

— Sim, era o que eu estava desenhando no quarto quando você entrou.

Abraço Ítalo e olho cada detalhe. Ele tenta menosprezar seus desenhos e penso em calá-lo com um beijo, mas Rômulo está na porta. Há bolas de futebol, ursos e uma cegonha desenhados na parede. Em cima da cômoda há um porta-retrato com a foto da primeira ultrassonografia.

— Conheço essa arrumação — afirmo.

— Jessica ajudou.

Fico tempo demais olhando o quarto inteiro. Quando decido ir embora, Ítalo pergunta o dia que vou voltar a morar com ele e não sei o que responder. Por mim, eu já não sairia mais dali. Ele insiste em me levar no ponto e percebo que minha raiva passou. Se tudo está indo tão bem não tem motivo para eu ficar tão mal.

— Você está bem com tudo isso? — pergunto.

— Pior que sim — ele diz com um imenso sorriso.

— Então estou feliz por você!

— Obrigado!

— Sabe que pode me procurar se ficar triste, né?

Ele me abraça forte e deixa sua mão na minha barriga. Enquanto estou encostada no peito dele, Valentim mexe de um jeitinho preguiçoso e não preciso olhar para saber que Ítalo está sorrindo. Quero dizer que o amo. Do jeito que estamos, sinto vontade de gritar para que todos da rua possam ouvir que eu amo Ítalo Moraes. Mas me mantenho quieta, porque não é a hora certa. Enquanto tento decidir se existe um momento exato para demonstrar sentimentos, o ônibus chega.

Quando chego em casa, me deito na cama e respiro fundo. Estou tão feliz com o quarto do meu filho todo arrumado que decido cuidar apenas de mim e dele agora. Talvez Rômulo esteja arrependido, mesmo eu não acreditando muito nisso. Só que eu não preciso acreditar em nada. Essa parte da história não é minha. Se Ítalo deu uma chance, eu vou ficar quieta esperando que nada dê errado. Não gostaria de vê-lo sofrer. Enquanto me afundo mais na cama sentindo um cansaço fora do normal, repito mentalmente que amo esse cara. Eu amo Ítalo e não estou conseguindo mais negar.

Todos estão felizes. Agora eu também estou. Espero que nada modifique isso.

Quando estiver sóbrio (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora