II - Maven

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Dispenso Cal, os guardas, ou qualquer um que tente intervir no meu caminho. Eu deveria andar com uma placa pendurada no pescoço dizendo "não pertube".

Minha cabeça está uma bagunça. Muita pressão. A proposta de minha mãe ainda me corrói, me assusta, me preocupa.

Ela me seduziu com uma confissão. Apesar de todos os rumores sobre a morte da mãe de Cal, sabíamos uma meia verdade. E desconfiávamos.

- Coriane era estúpida! - Ela falava, cheia de raiva e rancor.

- Todos diziam que Coriane era amável. - Automaticamente, o nome me enoja, mas não sei bem o porquê. É como se algo ou alguém em minha mente me forçasse a isso.

- Coriane era fraca. Não deveria ter se tornado rainha. Seu poder era no mínimo... ridículo. Poderia muito bem ter chegado ao trono com poucas palavras melódicas e mal intencionadas.

- Você disse bem, poderia. Mas não o fez, e mesmo assim ela...

- Ah, Maven. Você não é mais um garotinho. As pessoas matam, é isso que fazem. Um reino inteiro tem sua história baseada em força e poder, mas ninguém conta que para isso, precisamos de um derramamento de sangue. Independente da cor. - Ela quase ruge, mas volta aos cochichos assim que lembra dos guardas na porta. - Ela era fraca no poder e fraca na mente.

- Você a matou. - Confesso que finalmente dizer essas palavras em voz alta me angustia, mas é a verdade. Minha mãe tem razão, não sou mais um garoto. Sei o que as pessoas fazem, e como fazem.

- Não matei, instruí.

Ela percebe minha interrogação e desconforto, mas ignora.

- Não foi muito difícil adentrar nas entranhas de sua cabeça. Graças a seu instinto de discrição, ela me permitiu entrar. Ou não conseguiu impedir. - Uma pausa e um sorriso malicioso dela me faz perceber que se alegra diante de tal lembrança. Eca. - Coriane derreteu a própria cabeça. Se deixou levar por murmúrios negativos. E morrer, sozinha, na banheira. Deixando Cal a deriva. E um trono para mim.

Descobri que minha cabeça negava acreditar em todos os boatos. Acho que nem Cal sabe da versão original da história. É um choque para mim saber de toda a verdade, mas é pior ainda saber que jamais poderei contar isso a Cal. Minha mãe não deixaria, ou pior, me mataria se o fizesse.

- E quanto a Sara Skonos? - Me lembro da curandeira infeliz, melhor amiga da rainha morta, que não ficou imune.

- Ah. Skonos foi tola demais para dirigir qualquer palavra a futura e verdadeira rainha. Corajosa, mas tola. Cortar-lhe a língua foi tamanha caridade para impedi-la de cometer bobagens novamente.

Então Cal tinha razão, minha mãe é mesmo uma assassina.

- Como você pode? - Só percebo minha voz trêmula quando minha mãe se assusta diante de meu medo. - Você acabou com uma família. Acabou com Cal.

- E por que você se importa? - Grasna. - São riscos que temos que correr para um bem maior.

- Seu bem.

- Exato. Meu bem. Meu trono. Caixão dela.

Fui tolo e estúpido demais ao imaginar minha mãe como uma pessoa diferente. Sei do que ela fez, mas me recusava a acreditar. Agora me recuso a entender. Não existe pessoas totalmente inocentes. Até a pobre Coriane teve seu destino. Todo mundo pode trair todo mundo. Isso é algo que eu já deveria ter aprendido.

Mas é claro que a verdade tem um preço. A rainha jamais a contaria se não quisesse algo em troca. E tenho minhas suspeitas de que seja algo muito maior do que posso imaginar. Algo que começou há anos atrás, com a morte da rainha cantora.

- Mãe... não. - Percebo que minhas mãos tremem. Minhas pulseiras faíscam, querendo criar paredes incinerantes que possam me proteger do que me aguarda.

- Maven, querido. Eu dei o primeiro passo. Na verdade, até agora, eu dei todos os passos. - Ela começa a andar em círculos, seus olhos vão de um lado para o outro, maliciosos e maléficos. - Mas não se trata só de mim. O futuro que planejo pertence a você.

Comovente. Posso ir agora?

- Mãe, por melhores que sejam suas intenções, não posso, não quero, e não aceito. - A corte prateada exige um tom de voz severo e sem espaço para contestamentos. É o que faço. Mas ela é minha mãe, me conhece, e me vê por inteiro.

- Você não tem opção, querido. É seu destino, seu motivo maior, sua causa. É para isso que nasceu. Para governar. Ninguém espera de você o que eu espero, e o que eu farei. Reinos irão se ajoelhar diante de ti e sua coroa.

Percebo onde quer chegar. Até onde seus planos malignos e ambiciosos vão. E isso me assusta.

- Seu pai ama Cal. E não você. Portanto, você não lhe deve nada. Nem satisfação. Veja tudo o que ele faz pelo filho favorito. E veja o que faz por você.

Suas palavras são duras, mas verdadeiras. Me atingem como se meu próprio fogo estivesse me queimando.

- Pense bem sobre minha proposta. Estou lhe dando a chance de se levantar. Garanto que não terá outra como essa. - Ela estuda minha expressão. Poderia entrar na minha cabeça se quisesse e me ler como um livro aberto. Mas me permite um átimo de privacidade. Que benevolência.

Como eu não previ isso? Meus pais sempre estiveram em um embate constante, ambos tentando sobressair seus poderes um sobre o outro. Minha mãe raramente abaixa a cabeça. Era de se esperar algo assim. Uma vingança tão amarga, uma vontade insaciável de poder.

Será que isso é amar? Será isso a relação que terei com minha futura esposa? Não pode ser. Isso não é amor. Não pode ser. Mas como poderei saber? Nunca experimentei.

- Maven, você não tem outras opções. - Suas palavras são duras e determinadas como facas de pedra.

- Sempre há outras opções.

- Não dessa vez.

Ela vai me forçar a isso.

- Esteja preparado. Não podemos levantar suspeitas. Em breve lhe atualizarei sobre o plano. Mas claro, de outras maneiras.

Consigo até imaginar as "maneiras" a que se refere. Sua voz penetrando em minha mente, seus murmúrios me forçando a algo que me recuso.

- Fique despreocupado. Não haverá sangue em suas mãos. Nem nas minhas. Pelo menos não explicitamente.

Ela me desfere um golpe em forma de palavras e simplesmente sai andando. Minhas feridas do treino ainda sangram, mas não tanto quanto meu coração.

Não haverá sangue em minhas mãos. Mas alguém muito poderoso vai morrer. Então, quem o matará?

Príncipe EsquecidoWhere stories live. Discover now