Capítulo XVI - Maven

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A vantagem é nossa, e assim espero. Não sou o único a desconfiar. Todos sabem que podemos falhar, e morrer. Seguimos o plano breve e improvisado. Estávamos separados da área de batalha. A discussão foi encoberta por uma leve neblina de poeira e morte. A brisa suave atinge as pontas de meus dedos. Mas a adrenalina não me impede de congelar. Mareena assente, transpassando o recado. Estamos prontos. Ou pelo menos eles estão. Mas mesmo assim, recebo a pergunta.

- Pronto? - Mare questiona.

- Vamos. - Rujo. Não quero perder tempo. Não mais. Cal está por aí, preso em um dos enormes jatos estacionado, ou até mesmo os que estão sobrevoando nossas cabeças. E meu pai também. Dias atrás, quando Eliea me proporcionou o plano dela, eu estava cansado. Sedento por poder. Minha vida era um tédio. Com Mare, caí na pedra dura. Me situei, e dei conta do que realmente estava me metendo. Não é certo.

Quando você encontra um amor, parece que acorda de um sono profundo. Pra mim, fui um cego de olhos abertos durante dezessete anos. Meu balde de água fria é Mare. E sou tomado por sua mão.

- Por onde começamos? - Questiona. Está claro que ela nunca lutou assim, não que eu seja um general para falar isso. Estamos parados na frente de três porta-aviões, gigantes, provavelmente onde Cal e meu pai está. Franzo a testa, em concentração. Tento sentir alguma chama por si. Mas eles devem estar sobre a guarda de um silenciador. Um muito poderoso, para aguentar a força de Cal e a fúria de meu pai. Uma bomba ecoa por trás. Ouço gritos masculinos. Mare estremece ao meu lado. Duvido que tenha algum vermelho participando dessa luta, mas ela ainda sente pena. Quem me dera um coração desses. Ah, esqueci. Eu não o tenho mais. O pedaço que sobrou, dei a Mare e meu irmão.

Por instinto, sigo em direção ao último. Espero que não tenha errado. Cada minuto que perco pode significar a vida deles.

- Tudo bem então. Pode ser esse. Achei bonitinho. - Mare zomba. Tentando alcançar meu andar.

Para começar com estilo, aponto a mão para a rampa de entrada. Com um empurrão, Mare me impede.

- O que pensa que está fazendo? - Pergunta. Arqueia uma sobrancelha, em dúvida. - Deve estar cheio de guardas atrás. Talvez até nos esperando. Vamos pela porta de emergência. Eu abro.

Bufo, frustado. Não sou Cal, mas queria chegar chegando. Incendiando todos que entrarem no nosso caminho. A porta de emergência é bem menor. Um show menor. Bufo novamente. Mare abre a porta um gesto preguiçoso. As vezes esqueço de como é poderosa. O corredor está pouco iluminado. Mas não temos que encobrir rastros. Com um arqueio de sombrancelha, as luzes brilham, mais fortes que antes. Ela segue pela direita, e logo somos surpreendidos por um guarda. Ele parece tão surpreso quanto nós. Mare é rápida. Logo solta um soco na boca do estômago, me dando tempo para agarrar seu pescoço. Além de impossibilitar a respiração por um tempo, não deixo de queimá-lo. Não tanto quanto queria, mas o suficiente para marcá-lo.

- E agora? - Mare questiona. Corro com os olhos pelo vasto corredor que se inicia à nossa direita. Várias portas pendem. Cada uma com um risco diferente. Alguns mantém-se diagonalmente, outros seguem pela vertical. Um único carrega horizontalidade. Um corte simples e afiado na porta de metal. Me lembra um monitor cardíaco transmitindo a frequência cardíaca. Porém, de um coração morto.

- Blecaute rápido. Soe como uma falha. Não podem suspeitar.

- Pensei que não ligasse para rastros. - Diz, cruzando os braços. Mas mesmo assim me obedece. Apresso o passo e logo chego. A maçaneta trás um metal frio. Giro-a. A sala está escura. Simples. Composta por uma escrivaninha, computador, e vazio. Deve pertencer à um tipo de comando. O monitor transmite as câmeras de segurança. Caço como um falcão. A última câmera é de celas. Escuras. Pela visão pouco ampliada, consigo identificar 5 guardas em cada porta. Idiotas. Sério que enjaularam meu pai e meu irmão, um de frente para o outro? Soa-me estúpido. Segue informações pelo lado superior direito. Curtas e diretas. Quase impossíveis de ler.

CELAS. A1-SÊNIOR PRESENTE. A2-JUNIOR PRESENTE. Quase rio. Péssima escolha de códigos. Decifrá-los é tão fácil quanto mentir.

Agora, não ligo para encobrir os rastros. Só para o tempo. Corro em disparada às escadas. Mare pegou mapas que pendia sobre a mesa. Um era do avião. A aeronave é imensa. Os outros mapas parecem, antigos. Não sei de onde são. As escadas são à leste. No andar inferior, sinto claustrofobia. O teto baixo me estremece. Mais corredores surgem, e vamos pelo último. O mais discreto.

Um raio roxo e branco me assusta. Mare eletrecuta o primeiro guarda, chamando atenção dos próximos. Formo chamas, o mais quente que consigo. Soco o rosto de um. Marcando-o com meu punho. Linda cicatriz. Um ninfoide logo me ataca. Me envolve em uma bolha, suficiente para prender minha respiração. Mare o eletrecuta, cuidadosa para não vazar faíscas pela água. Formo outra chama. Dessa vez, mais fraca. Mais fraca. Mais fraca. Logo, enfraqueço também. A respiração complica, e a visão turva. Caio de joelhos, incapaz de segurar meu próprio peso. Mare parece poupada de tanto cansado, e aproveita as poças de água sobre os pés do silenciador para liberar faíscas. O choque é fraco, mas suficiente para atacarmos.

Minha garganta parecia se fechar. Com um suspiro pesado, libero o restante do cansaço. Odeio poderes silenciadores. Odeio não ter reforço. Odeio não ter o fogo. Odeio não ter Mare. Mas também odeio meu irmão e pai presos. Uma brisa podre atinge meu nariz, me desligando dos pensamentos odiosos.

Avançamos ao final do corredor escuro, suas paredes não trazem pedras silenciosas. Devem estar somente dentro das celas, pois sinto a pontada. Paupérrima. A medida que caminhamos, o ar se torna denso. Sinto cheiro de pólvora.

Cal está sentado no chão. Com a cabeça enterrada nos joelhos. Quando levanta a cabeça, fraco, percebo. Seus olhos estão opacos, circulados de um azul-roxeado. Suas bochechas estão marcadas. Lágrimas rolaram anteriormente. Seus cabelos pedem bagunçados. O cansaço está estampado em seu rosto. Mas a tristeza também. Ele me encara, friamente.

- O que houve? - Pergunto. Ele desvia o olhar para algo atrás de mim. Mas minha resposta vem de Mare.

- Maven. - Mare diz, apontando para trás. Seus olhos estão marejados, e suas palavras carregam tristeza. Sei o que está atrás de mim. Mas não quero virar. Não quero aceitar.

Seu covarde. Vire-se logo. Cresça. Os pensamentos desafiam minha compostura. Lentamente, corro os olhos. O corpo está banhado de sangue argênteo. Os olhos cor de mel estão abertos, olhando para o vazio. Até os cabelos estão manchados. É muito sangue.

O cadáver de meu pai. Não percebo as lágrimas descendo minhas bochechas sem meu consentimento. A morte dele foi apenas adiada. Era isso o que aconteceria conforme os planos de Eliea. Eu não estava preparado. E só fui perceber isso agora. Tarde demais.

Príncipe EsquecidoWhere stories live. Discover now