Capítulo XXIII - Mare

398 36 28
                                    

Hemorragia. Com certeza.

O sangue não para de jorrar. Minha mão não consegue estancar tudo. Grito por ajuda, mas demoram a responder. Estou sem fôlego, seu peso pende sobre mim, me forçando a manter meu peito longe da espada, que permanece atravessando o coração de Darn.

Justo agora que descubri que ela era irmã de Kilorn. Eu iria para o vilarejo, apresentar-lhes. Seria maravilhoso o reencontro do que restou dos Warrens. E agora, temos menos ainda da família. Não sei o que irei dizer a Kilorn. Não sei se ele irá acreditar em mim, ou me perdoar. Não sei se irá reconhecer sua irmã no caixão. Não sei nem se concordará em vir, ainda receoso. Eu não sei mais nada.

Finalmente, uma criada percebe meus gritos fracos, e vem acudir. Ela berra para outros criados buscarem ajuda, e vem em minha direção. Outro criado de uns dois metros de altura pega Darn no colo, se enxarcando de sangue também. As criadas vem me acudir. Até nesse momento, os prateados são tratados diferentes. Darn pinga sangue no chão, formando poças com profundidade, seu cadáver espera as criadas me ajudarem.

- O que estão fazendo? - Berro. As duas mulheres que me ajudam arregalam os olhos, confusas. Foram treinadas para colocar sempre em primeiro lugar a realeza, não importa se o corpo ao meu lado está vivo ou morto. A realeza em primeiro lugar. Eu em primeiro lugar. - AJUDEM DARN! - Grito mais alto ainda, elas, que ainda estavam paralisadas, dão um pulo com minha voz alterada. Mas obedecem.

Sentinelas vem em nossa direção.

Um Skonos se aproxima de Darn, a tateia, franze a testa, concentra. Eu acompanho tudo, atenta. Espero uma resposta. O sentinela desliza as mãos em uma dança monótona, mas logo as deixam cair. Ele desvia a cabeça, lentamente, e me olha, capisbaixo.

- Sinto muito. - Diz, roboticamente, sem sentimentos.

- Não... - Sussurro, quase caindo novamente. Vou até o cadáver. - Darn... Não... - Deslizo aos mãos por sua pele fria e sem cor. Morta me lembra os prateados. Me lembra a máscara que tenho que vestir todos os dias. Meu coração pulsa forte, pedindo liberdade como se estivesse enjaulado. Preso em seu próprio corpo. A irmã de Kilorn morreu, e eu não pude fazer nada. O que ele vai pensar de mim, agora? Já não estávamos muito bem, agora, pior ainda. Qualquer passo em falso poderia resultar no fim de nossa amizade. Será esse o passo?

- Mare! - Maven grita, se aproximando. Ele diminui o ritmo ao me ver ao lado do corpo, que agora está estirado no chão. Minhas lágrimas queimam meu rosto, frio pela brisa. O inverno se aproxima. Tanto a estação, como dentro do meu coração. - Eu... Sinto muito. - Ele sussura no meu ouvido, me abraçando. Meu olho, embaçado, chora mais ainda. Minha maquiagem deve estar um horror. Lágrimas pretas caem no meu vestido lilás, se juntando as manchas de sangue fresco.

Ficamos assim por meia hora, quase. Deixaram-nos os três. Eu, Maven, e o cadáver. Nos permitindo minutos de luto. Eu não a conhecia direito. Não tinha nada a ver com ela. Mas ela tinha tudo a ver com Kilorn. Será egoísta chorar por perder minha última chance de reatarmos nossa amizade? Muito egoísta, Mare. Muito egoísta. Muito prateado.

*****

Fui levada até o meu quarto, para me recompor. As lágrimas já deram adeus as minhas bochechas, deixando apenas os soluços e manchas de rímel. Mergulho na banheira, sem me importar na água fervente, quase borbulhando. Desejo queimar e afogar todos meus problemas, recentes ou antigos.

Já está escurecendo quando termino o banho. Escolho o vestido mais negro que tenho. Minha pele, pálida como nunca vi, contrasta com o preto. As criadas nem precisam colocar quilos de maquiagem para parecer uma prateada. Já pareço uma. Fria e vazia. Como me sinto.

Príncipe EsquecidoМесто, где живут истории. Откройте их для себя