IV - Maven

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Um milagre? Ou uma aberração? Quando a vermelha caiu sobre o escudo, imaginávamos que iria derreter. Mas não, ela sobreviveu. Como vamos explicar isso a corte?

Meu pai rujiu ordens para os sentinelas de prontidão, que correram ao encontro da garota, e a capturaram. Já estávamos posicionados quando a maçaneta da porta principal gira.

Um conjunto de roupas queimadas e cabelos chamuscados adentra a sala, lutando, em vão, contra os guardas que a segura.

- Mare Molly Barrow. Filha de Rute e Daniel Barrow. Vermelha. - Meu pai, sem muita paciência, joga as informações que nos interessa sobre a garota, assim como o formulário de identificação.- Como você...?

- Sobrevivi? - Ela diz, brusca. - Esperava que você pudesse me dar essa resposta, majestade.

Cheia de petulância e grosseria, a garota simplesmente nos encara, sem um pingo de medo. Com um chute estratégico na perna, os guardas a põe de joelhos, em uma reverência forçada.

Diante de seu comportamento ridículo, meu pai conclui que não passa de uma vermelha. Mas acho que minha mãe sequer precisou entrar em sua mente para adivinhar seus pensamentos.

- Eu já disse. Revirei tudo. Ela é vermelha da cabeça aos pés. Mas aquilo aconteceu. Nós vimos, a corte inteira viu.

- Então foi você que fez aquilo? - A garota parece sofrer ao lembrar. Pelo visto minha mãe exagerou um pouco em seus interrogatórios.

- Vermelha ou não, precisamos dar um jeito nisso. - O rei diz, ignorando a dor dela sem qualquer cerimônia.

Minha mãe finalmente se levanta. Lança um olhar profundo sobre meu pai.

- Eu já lhe disse o que fazer. Resolveria todos os nossos problemas.

- Não podemos matá-la, Elara. - Ele sibila, menosprezando a hipótese - Embora vontade não falta.

- Se me matassem, o que diriam a corte? - Mare Barrow rosna, irônica. Para sua condição, está seriamente ousada. Mas meus pais entram novamente em um embate silencioso acerca do destino da garota, e a deixa passar.

- Muito bem. - O rei parece finalmente decidido, e acena para que minha mãe prossiga.

- Mare Barrow, seu nome passará a ser Mareena Titanos, filha do falecido general Lorde Ethan Titanos e Lady Nora Nolle Titanos. Com seus pais mortos na trincheira, um vermelho te levou para casa e a criou na lama de seu vilarejo. Durante toda sua vida, pensou ser uma deles, porém agora descobriu quem realmente é. A filha perdida de nosso amigo, general Titanos.

Eu esperava algo assim de minha mãe. Ela sempre foi muito boa com palavras, principalmente mentiras. Poderia governar o mundo com um punhado de sorrisos e pronunciamentos. E não me decepciona agora. Encontrou uma história solucionadora de todas as dúvidas da corte.

Mare Barrow parece inacreditada. Não está acostumada com o verdadeiro jogo que é viver na elite prateada. Porém, terá que jogar se quiser sobreviver. E jogar direito. Um passo em falso, e minha mãe cortará sua cabeça.

- A junção dos poderes de seus pais gerou algo novo, você. Isso explica o fato de você sobreviver a eletricidade. - Minha mãe explica pausadamente, certificando-se que a nova lady entendeu sua mentira. - Será treinada e vigiada, além de melhorar seu... jeito. Irá adaptar seu comportamento de acordo com o que está em vigor na corte. Viverá aqui, para que eu possa te observar bem te perto. Um passo em falso e você já sabe. Casará com o príncipe e será a próxima princesa.

Uma ótima história, as grandes casas com certeza irão acreditar. Entretanto, me incomodo com o final. Se casará com um príncipe. Meu pai jamais permitiria que seu príncipe herdeiro não se casasse com a garota mais poderosa do reino, e creio que essa pessoa não é Mare Barrow. Então se não é Cal, é...

- Meu filho Maven irá pedir sua mão na frente de todas as grandes casas durante o banquete após a Prova Real.

Congelo. Acordei e não tinha nem namorada, agora estou prometido a uma vermelha. E o pior, sequer pediram minha opinião ou me avisaram.

- Mãe! - Contesto. Não posso acreditar que não terei voz diante de meu próprio casamento. Cal põe sua mão sobre a minha, em um gesto calmante. Mas percebo que na verdade, tenta me impedir de levantar ou protestar.

- Quieto, Maven. Já foi decidido, e você seguirá minhas ordens a risca. - Ela me interrompe, antes que eu a questione mais. Não irá me permitir um átimo de liberdade. - Se comporte como uma nobre lady da mais alta classe. Você pode até ser vermelha no coração, mas sua mente será prateada, menininha elétrica.

A falsa Mareena não esconde o queixo caído. Não acredita - ou aceita - qualquer palavra que minha mãe tenha dito. Assim como eu, não terá liberdade nem no próprio casamento.

- E minha vida? - Mareena gagueja antes que o rei solte uma risada cortante.

- Vida? Que vida? - Ele desdenha.

- A garota tem uma família. - Dessa vez, de Cal quem se pronuncia.

- Ah. - Meu pai não poderia esboçar mais nojo em sua fala. - Quanto a isso. Pagaremos uma pensão.

- E quero que dispensem meus irmãos. - Fico chocado quanto a isso. A garota já parece conformada que até negocia os termos. Como pode aceitar isso? Eu falo como se tivesse alguma opção. - E do meu amigo, Kilorn.

- Uns vermelhos a menos não vai fazer diferença em meu exército. Está feito.

Sinto os últimos pregos do meu caixão serem pregados.

- Receberá instruções, ordens, avisos e horários pela manhã. Guardas irão lhe acompanhar por onde for. - Minha mãe volta a ditar. - Você será uma arma contra qualquer revolta. Quando os vermelhos a virem ao nosso lado, irão se controlar.

Cada palavra parece atingir Mare Barrow como facas. Ser usada como uma arma não será fácil, muito menos controlar qualquer rebelião em massa.

- Sentinelas, levem-na.

Seguindo as ordens de meu pai, o grupo sombrio leva a garota. Ela nos encara com nojo e medo. E eu não acredito no que me colocaram.

Assim que ouço o baque das portas se fechando, disparo:

- Como podem? Sequer me perguntaram algo. Não quiseram saber minha opinião ao me envolver em algo do tipo! COMO PODE, MÃE? - Não consigo conter gritos furiosos.

- Contenha-se, Maven. Não perca sua postura. Não perguntamos sua opinião porque não precisamos. Você fará o que lhe foi dito, e fará direito. Sem voltar atrás, sem contestações. Apenas aceite e se prepare. - Minha mãe faz questão de me olhar de cima, mesmo que eu seja mais alto que ela. Quer mostrar que aqui, quem manda é ela, e eu apenas posso obedecer em silêncio. Mesmo sendo o meu destino.

- Mas, me casar? Com uma vermelha? Isso não está a certo! O que as pessoas vão pensar quando descobrir?

- Não irão! - O rei fecha a discussão, com sua voz forte e decidida, sem deixar espaço para comentários. - Escute sua mãe, garoto, e faça o que ela diz. Fim de discussão.

Fervilho em raiva por dentro. Não acredito que fizeram isso comigo. Cortaram minha próprias asas, e não tenho mais para onde ir. Meu destino foi feito por pessoas que não sou eu.

Saio da sala sem sequer olhar para trás. Cal tenta me seguir, mas acelero o passo, quase correndo, e o deixo para trás. Não o quero por perto. Não quero ninguém por perto. Não me sinto no controle de minha própria vida. Minha mãe controla todos com suas mentiras medíocres e infalíveis. Todo o meu futuro está nas mãos dela, porque ela o tomou de mim.

Príncipe EsquecidoWhere stories live. Discover now