QUESTÕES... QUESTÕES ( Prólogo )

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- O que é real?
- Por que para fazer sentido, algo precisa ser palpável, audível, visível, alcançável?
- Como fazer para chegar onde tanto queremos, sem ao menos sabermos ou vermos quando?
- E se a vida que você deveria viver, não pertencesse à realidade onde está?

Estas e muitas outras perguntas ressoavam na minha mente enquanto meus dedos esquerdos tamborilavam no batente da janela do velho ônibus escolar amarelo que calmamente percorria a estrada serpentiforme que passava pela casa onde eu morava com minha avó, e terminava no centro da cidade sempre chuvosa ou então nublada para a qual nos mudamos há alguns anos. Já tínhamos mudado várias vezes, mas de uma coisa minha avó jamais abria mão - manter a decoração da casa estranha e exatamente igual.

Quanto ao meu ônibus escolar, para apanhá-lo era necessário caminhar por um pequeno trecho de trilha na floresta, já que minha casa era bem afastada da cidade, e não ficava exatamente à beira da estrada.
Ao contrário de algumas garotas de outras histórias por aí... Não, eu não era excluída de todos por isso, nem mesmo havia piadas sobre minha casa na floresta ser assombrada, até porque a cidade, que já era pequena, também era cheia de árvores.

Minha avó, por alguma razão sempre resolvia se mudar a cada dois anos, mas, pelo que me lembro, nos últimos dez, ela realmente decidiu parar com isso. O lado bom foi que eu finalmente consegui fazer algumas amizades na cidade e no colégio.

A paisagem além da janela do ônibus me encantava. Às vezes as aulas eram puxadas demais, porém me alegrava saber que veria toda aquela obra de arte desenhada pela natureza quando estivesse voltando para casa. Isso me animava.

O ônibus já se aproximava de algumas casinhas ao longe, nos limites da cidade, quando contemplei a represa do Quellayout, um grande rio que cortava as florestas que cercavam a cidade. Em outros lugares onde morei, nunca tinha visto tanta água junto.

No entanto, devo ter cochilado um pouco, já que a imagem da represa logo havia sido trocada pelos portões do colégio onde eu já cursava o segundo ano do ensino médio.

Os portões já abertos davam passagem ao ônibus que já não era o único veículo no lugar, tal como na estrada onde raramente passava um automóvel.

Pais e filhos caminhavam pelo lugar entrando no edifício enquanto alguns grupos de amigos esperavam o sinal para entrarem.

Professores saíam de seus carros, enquanto alguns funcionários do local tiravam cones das vaga dos diretores, que também chegavam para estacionar.

Também vi alguns enrolando para matar aula, enquanto outros, aficionados pelo saber, corriam feito loucos assim que saíam dos carros, ou ônibus em que chegavam.

No entanto, o que me chamou a atenção assim que coloquei meu pé direito para fora do ônibus; foi uma pessoa que pareceu ter surgido do nada, vindo como que da mata além do amplo estacionamento do colégio.

Não pude ver bem o rosto dele, mas soube que era homem. Talvez pela aparente musculatura evidente, mas foi muito rápido, não pude contemplar mais porque um Volvo esportivo e preto entrou na frente, e todos atrás de mim já estavam furiosos com minha demora para sair da frente da porta do ônibus, principalmente o motorista que saiu cantando pneus.
- Apesar do pessoal ter ficado bastante irritado; de uma coisa eu estava certa:
- Acho que ele tinha íris douradas ou com tom bem próximo...
- Do que está falando, Senhorita Redine? - a voz de um senhor idoso, mas não tão simpático perguntava num tom estranhamente ríspido, enquanto ele se debruçava sobre minha carteira, deixando pendente um colar bronzeado que continha um pequeno artefato cilíndrico e octogonal, semelhante a uma chave negra e metálica, bastante estranha.
- Professor Newton? - Eu murmurei diante de meu professor de Biologia, que parecia intrigado com a minha frase dita bem no meio da aula para todos ouvirem.
- De quem são os olhos dourados dos quais tanto fala, bem no meio de minha aula sobre os perigos decorrentes da clonagem de dinossauros e sua exibição em parques temáticos?
- Minha nossa! - Eu disse envergonhada, enquanto todos riam ao meu redor.
- Gente... Professor - Eu tentei ser cômica para explicar e driblar aquela situação.
- Me desculpem, é que ando vendo filmes de ficção científica demais exatamente depois que uns amigos meus da cidade onde morava foram naquele parque!
- Qual parque? - Alguns perguntaram.
- Aquele? - Um rapaz negro, e outro indiano me perguntaram.
- Aquele parque? - o professor também pareceu curioso, quando uma garota ruiva me perguntou:
- Aquele que está fechado?
- Sim! - Concordei, feliz com meu sucesso em enganá-los.
- O parque está fechado!
- Aquele, da Costa Rica? - a garota que estava na minha frente perguntou intrigada.
- Sim. O que o pessoal mais falava eram dos olhos de um animal que escapou, por isso que eu...
- Está bem, senhorita. - O professor habilmente interrompeu o burburinho que eu causei na sala, e perguntou:
- Mas se não esteve lá, por que isso a impressiona tanto, Senhorita Redine?
- O senhor viu aquele filme professor? As reportagens relacionadas ao "acidente"... - eu fiz aspas com as mãos e concluí:
- Naquele parque?
- Sim! É claro. No final a ameaça foi contida - Ele assentiu e concluiu, mas eu o corrigi:
- Pois saiba professor, que aquilo não passa de uma dramatização barata, com animais adestrados num estúdio de Hollywood! Teve muito mais dentes e sangue.
Alguns dos meus colegas pareciam pasmos, quando fui além:
- E alguns dizem que estão vendendo novas espécies criadas em laboratório, e até usando para fins militares e comerciais.
- Isso... A mídia não conta! E se está na Internet... - Um colega lá do fundo gritou, quando vi o professor resmungar:
- É verdade!
- Mas... - O professor de repente desconversou, e voltando a manipular a massa; prosseguiu:
- Agora vamos falar sobre as dificuldades reais que cientistas enfrentariam para clonar seres pré-históricos.
- Eles não aguentam a verdade! Mas, gente, convenhamos: O tamanho daqueles portões daquele parque deixa a entender que eles sempre planejaram soltar aqueles dinossauros, não é? - Eu disse, já sequer disfarçando meu desgosto de estar naquela aula chata, que virou um tremendo falatório sobre o assunto, mas ainda assim, se arrastou até o último horário, quando tivemos aula de História.

Esta última foi bem legal, porque naquele dia, a professora lecionou sobre seres míticos adorados por civilizações antigas e eu; por alguma razão, gostava muito de seres míticos.
Ao fim do dia lá íamos nós: eu ali, no meu velho banco... No velho ônibus escolar amarelo que já cortava a imensidão verde das florestas ao redor.

[ UDG ] A GAROTA DA CAPA. O CONTO REPAGINADOOnde as histórias ganham vida. Descobre agora