Capítulo 2 - As pedras de Caneuon

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Sendo eu uma jovem sonhadora, muito curiosa, mergulhava em alguns manuscritos de nossos ancestrais, que papai guardava dentro de um baú enorme.

Papai tinha uma aparência forte: alto, loiro, e seus olhos eram da cor do céu em dias de frio. Apesar de ser um homem muito bonito, trazia em seu rosto traços de dor e saudades da mamãe.

Ela morreu logo após me dar à luz e isso arrasou papai. Mas quando viu aquele bebê indefeso, aos berros, logo percebeu que deveria cuidar e amar aquele ser tão pequeno. Chamou-me de Ailyn, que significa Carvalho, árvore sagrada e majestosa.

Nasci nas regiões montanhosas da Gália, com meus irmãos mais velhos: Cedric e Reagan. Apesar das constantes ameaças dos Romanos, Saxões e outros bárbaros que nos rondavam, procuramos viver livremente e somos felizes em nossa pequena tribo, ou o que sobrou dela.

Cedric casou-se com Lesly, uma linda moça de grandes olhos verdes, que amava a natureza e dela colhia plantas e ervas para a fabricação de remédios. Já curou muitos de nossos homens feridos na batalha, crianças e velhos com suas receitas medicinais. Não nos considerávamos Druidas. Ao longo dos anos, nossa tribo (depois que foi expulsa pelos Romanos) vivia apenas da agricultura e da caça.

Apenas praticamos nossos rituais sagrados e adoramos as festas, regadas por muita comida e bebida.

Logo nasceu o pequeno Egan, o motivo de tantos sorrisos. Esperto e muito inteligente, poderia descrevê-lo como um mini Cedric, pois era idêntico ao pai: loiro, com pequenos olhos azuis. Certamente encantaria qualquer mulher quando se tornasse um homem adulto.

Minha família era muito unida, todos vivendo sob o mesmo teto, em uma casa feita de pedras e palha que papai e meus irmãos construíram assim que chegamos ao norte da Itália.

Meu pai não me obrigava a casar, mas sempre dava um jeitinho de tocar no assunto, dizendo que estava na idade. Apesar da falta da mamãe, tive uma infância feliz e papai me ensinou a ler e escrever - minha paixão.

Já com dezoito anos, às vezes imaginava o homem com quem ia me casar e dedicar a minha vida, mas na tribo ninguém me interessava. Crescemos todos juntos, como irmãos, por isso a ideia de me apaixonar por alguém não estava em meus planos, até aquele momento.

Os Romanos constantemente se aproximavam e, muitas vezes, era para nossa diversão. Meus irmãos e os outros homens capturavam alguns deles, os vestiam com nossos vestidos, obrigando-os a desfilar - arrancando gargalhadas de toda a tribo. Outras vezes, não foi assim tão divertido: insultavam nossos deuses e nos ofendiam nos chamando de selvagens, querendo nos impor suas crenças.

Como de costume, ao entardecer caminhei até o monte Caneuon, a muitos passos do vilarejo. Um lugar mágico, rodeado de pedras, pequenas árvores, flores coloridas e cheirosas. Amava estar ali, ouvindo os pássaros entoando canções, sentindo o vento acariciando meus cabelos.

O pôr do sol estava especialmente lindo neste dia, colorindo o céu em tons de amarelo - realmente uma bela imagem que meus olhos podiam capturar. Ali eu me sentia única e livre de verdade. Com minha flauta em mãos, comecei a tocar as primeiras notas de uma canção que meu pai cantarolava para mim quando pequena.

Suave e envolvente, senti meu corpo embalado pelo som que ela produzia. Enquanto tocava, dançava em volta de uma das pedras, a maior de todas. Imponente, me fez pensar no Deus desconhecido que ouvi um dos romanos bradar, enquanto servia de brinquedo nas mãos dos homens da tribo. De quem eles falavam? Não tinha um nome? Era tão poderoso como diziam? Confesso que fiquei curiosa em descobrir.

Os raios do sol tocavam meu rosto, aquecendo todo meu corpo, apesar do frio. Com meus olhos fechados, me entreguei totalmente àquele momento sublime. Tocar o céu, sim, eu poderia fazer qualquer coisa. Voar? Quem sabe? Só desejaria que este dia nunca terminasse... Queria ficar ali, meu coração pertencia àquele lugar.

Enfim, abri meus olhos e sentei abaixo da pedra, admirando a beleza que a natureza proporcionava. Sorri, enquanto o sol me aquecia, mas um barulho na mata, logo abaixo na direção oposta à tribo, me chamou a atenção. Havia muitas árvores ao redor e pensei que poderia ter sido um esquilo, ou quem sabe um javali, ou... fiquei com medo, poderia ser um dos romanos. Levantei rápido e corri para casa.

Aproximando-me da tribo, quase sem fôlego, Lesly veio ao meu encontro.

− Ailyn, hoje você demorou muito, os soldados romanos estão à espreita. Seu pai e seus irmãos não gostam disso, você sabe. E também temos que preparar o jantar e...

Enquanto Lesly tagarelava, enganchei em seu braço e fomos caminhando para casa.

− Eu sei cunhada, e também sei me cuidar, não se preocupe!

Dei-lhe um beijo no rosto, peguei o pequeno Egan no colo, que estava brincando em frente à casa. Rodopiando com ele, demos muitas gargalhadas.

− Vamos querida! − Chamou Lesly. Temos que preparar o jantar, logo nossos homens chegarão e nem imagino o que trarão para o jantar. – Com uma piscadela, entrou em casa.

− Tia Ailyn, um dia eu vou poder caçar como o papai e o vovô? − Perguntou Egan, com aqueles olhinhos brilhantes e ansiosos por uma resposta.

− Claro meu querido, logo estará caçando tudo que desejar comer.

Com um belo sorriso, Egan me apertou com seus bracinhos.

− Eu te amo, tia Ailyn.

− Também te amo muito, meu pequeno guerreiro!

Com Egan ainda em meu colo, entramos em casa, porque uma impaciente mulher chamada Lesly não cansava de gritar nossos nomes.

A Luz e o Herdeiro (Completa)Where stories live. Discover now