09 | Xícara de açúcar

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"Você me hipnotiza lentamente

Até eu não poder acreditar em meus olhos

O êxtase me controla

[...]

Venha até mim

Você sabe que eu quero o seu toque do mal"

— A Touch Of Evil, Judas Priest.

O brilho malicioso de seus olhos fora substituído por um eminente misto de confusão quando ergui minha mão em frente ao seu rosto, impedindo que nossos lábios se tocassem.

— Na sua imaginação.

— O quê? — Ele desviou os olhos dos meus lábios e passou a encarar meus glóbulos com a testa levemente franzida e a respiração ofegante.

— Faça o que quiser comigo — pausei, espalmando seu peito e o empurrando para longe —, na sua imaginação.

Ele soltou uma risada cheia de escárnio, passando a mão pelos fios negros e repousando os olhos em mim com desdém.

— Tá zoando com a minha cara? — Ele parecia zangado ou, talvez, fosse apenas o tesão reprimido.

Dei de ombros enquanto me abaixava e juntava o celular que ainda se encontrava no chão. Passei os olhos pela tela procurando por danos, despreocupada e alheia ao garoto que me fazia companhia.

— Eu tenho bom gosto, Hunter.

— Caras que não conseguem fazer você gozar são uma boa escolha ao seu ver? —Ele perguntou, transbordando ironia em cada palavra dita.

Fiquei sem reação e todas as frases subjetivas em relação a fingir que ele havia me direcionado fizeram sentido.

"Minha atriz preferida."

Ele, definitivamente, havia escutado a minha conversa com Cora no primeiro dia de aula e a possibilidade se transformando em um fato concreto fez minhas entranhas revirarem de vergonha. Contudo, dei de ombros outra vez, já que esse simples gesto parecia irritar ainda mais o moreno parado à minha frente e demonstrava o contrário do que eu sentia no momento.

— Ao meu ver, Hunter, você não tem nada a ver com isso.

Ele ergueu as mãos para o alto, em um gesto de rendição falsa, enquanto a bruma de indignação se esvaía e dava lugar ao seu costumeiro divertimento.

— Talvez eu tenha te julgado mal, no fim das contas — ele se aproximou de mim serenamente. — Você sabe ser bastante tentadora, Hawley. 

Ele estalou as articulações dos dedos como se estivesse se preparando para uma briga, entretanto, quando o barulho resultante do ato chamou minha atenção e meus olhos se focaram em suas mãos, eu não o imaginei brigando. Seus dedos se sairiam muito melhor em um cenário mais macio, causando outros tipos de grunhidos.

Escapei de suas mãos ágeis antes que elas estivessem em mim novamente, me prensando entre o cimento e seu corpo. Caminhei até a porta dos fundos, tentando reproduzir em meus passos a mesma calma que o moreno usava em todos os seus movimentos e, antes de entrar no estabelecimento, me virei em sua direção e o analisei retirar um cigarro do maço antes de lhe dizer:

— O que seria do inferno sem um pouco de tortura? — Recebi um sorriso sacana como resposta e entrei na lanchonete logo após ele acender o cigarro.

Eu não tinha dúvidas de que todos os amigos de Hunter tinham os olhos curiosos focados em mim enquanto eu atravessava a lanchonete, alcançando o balcão e colocando o avental outra vez. Nenhum deles era cego e o moreno não se preocupou em disfarçar quando me seguiu até os fundos do lugar gordurento, nutrindo a criatividade de seus colegas quanto ao que teria acontecido enquanto estávamos à sós. Hailey me encarava, analisando cada movimento dado por mim ao passo que eu deslizava o avental pelo pescoço e o amarrava na cintura.

— Como você conhece ele? — Ela perguntou, abraçando o próprio corpo quando meu olhar interrogativo recaiu sobre ela.

— Hunter? — Ela assentiu com receio e me perguntei o porquê dela não ter usado o nome do garoto ao fazer a pergunta anterior. — Nós estudamos na mesma faculdade.

— Ah, é claro — sua reação fora um tanto vaga e ela logo se apressou em ir atender alguns clientes recém chegados.

O restante do expediente foi corrido e cheio de, pasmem, gordura trans. O comportamento estranho de Hailey em relação ao moreno de olhos azuis me intrigou e ocupou minha cabeça durante o restante do dia.

Talvez ela tenha ficado fascinada com a presença dele que, com certeza, não passava despercebida. Eu sei como as adolescentes costumam reagir perante a homens bonitos e mais velhos, afinal, eu já fui uma. Entretanto, o abismo em que se encontravam seus olhos quando ela me questionou sobre o garoto produziu um eco silencioso que emanava apreensão, o que me pareceu o oposto do fascínio.

[...]

O apartamento se encontrava silencioso demais para um lugar frequentado por Coraline Carter; o silêncio não era uma de suas virtudes. O pedaço de papel deixado por ela sobre o balcão confirmou o que eu já esperava:

"Tive um 'contra tempo', volto mais tarde. Beijos, Cora."

Em palavras mais diretas, ela provavelmente estava se contorcendo em cima do colchão de alguém no momento. Ou talvez no sofá, quem sabe no chão. Ela iria relatar todos os detalhes para mim mais tarde, de qualquer forma.

Depois de tomar banho e enfim me livrar do cheiro de comida, me sentei no sofá e resolvi procurar um filme para assistir. Dei um pulo quando o barulho da campainha ressoou por todo apartamento e quis estrangular Cora por me fazer abandonar o estofado confortável.

— Esqueceu de levar sua chave de novo? — Falei alto o suficiente para que minha amiga pudesse me ouvir mesmo do lado de fora, enquanto me levantar e, a contra gosto, andava em direção à porta. 

Ao abrir a porta, não foi Cora quem eu encontrei do outro lado. A imagem do moreno preencheu meus olhos e meus lábios se abriram em surpresa. Ele estendeu a mão, antes escondida atrás das suas costas largas, revelando uma xícara de porcelana.

— Você poderia me emprestar uma xícara de açúcar, vizinha? — Sua voz soou inocente, entretanto, o sorriso voraz em seus lábios revelava suas verdadeiras intenções.

Você nunca fora de pedir, Hunter.

Crossroad (EM REVISÃO) Where stories live. Discover now