13 | Só se você me ensinar um pouco de francês

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"Eu rasgo meu coração, depois costuro de volta

Minha fraqueza é me preocupar demais

Minhas cicatrizes me lembram que o passado é real

[...]

Eu tentei ajudá-la uma vez, contra meu próprio conselho

Vi você desmoronando

Mas você nunca percebeu que está se afogando

Então ofereci a minha mão"

- Scars, Papa Roach.

- Não, e-eu... - gaguejei. - Eu só vim te entregar isso.

Me esquivei e joguei a xícara no ar, a qual ele apanhou com uma mão só. Um sorriso irritante preenchia seus belos lábios e seu olhar cheio de lubricidade brincava com meus sentidos.

- Você só está adiando o inevitável, Docinho.

Ele estava certo. Não havia motivos para o evitar dessa forma. Eu havia ganho, não precisava mais me conter. No entanto, a última pessoa com que eu estivera relacionada não fora muito simpatizante. Longe disso. Nicholas arrancara uma parte de mim.

- Você não entende - murmurei.

Pelo meu plano periférico pude ver o moreno se aproximar outra vez e quis sumir. Eu não sabia se deveria ou não lhe contar em detalhes o que acontecera comigo. Eu mal o conhecia.

- Me ajude a entender, então - ele afastou a mão que eu involuntariamente havia levado até a boca para roer as unhas.

Encontrei seus olhos, relaxando o corpo ao encontrar um conforto inexplicável neles. Respirei fundo, concordando com a cabeça.

- Eu me envolvi com um cara há algum tempo atrás - não faziam nem dois anos, para ser exata. Ele não precisava dessa informação. - Bom, ele era um viciado - soltei uma risada amarga. Aliás, eu também era. Outra informação desnecessária. - Ele foi se mostrando outra pessoa com o passar do tempo e, enfim, você sabe.

Hunter tinha o maxilar travado, assim como os ombros tensos, enquanto me analisava com a testa franzida. Seus olhos vagando entre os detalhes do meu rosto... procurando?

- Aqui - afastei uma mecha de cabelo, revelando uma cicatriz na têmpora.

Ele substitui o meu toque pelo seu ao traçar o comprimento médio da marca esbranquiçada, colocando a mecha de cabelo, que antes eu segurava, atrás da minha orelha.

- E o que aconteceu depois?

Suspirei, o achando um tanto invasivo.

- Ele teve uma overdose e eu, bom, eu vim pra cá - dei de ombros, sorrindo sem mostrar os dentes.

Seus olhos, agora tomados por uma nuvem acinzentada e espessa que os tornavam opacos, encontraram os meus.

- Eu não sou como ele - franzi as sobrancelhas para o ambíguo sentido que a palavra "ele" teve ao ser pronunciada pelo moreno. - Ouviu? Eu não sou como ele, não posso ser.

Levei minha mão até a sua, que ainda alisava a minha cicatriz e, levada pela impulsividade, a coloquei sobre a dele, deitando o meu rosto em sua palma macia.

- Eu sei, Hunter.

As minhas palavras foram como sopros, massas de ar que sopraram para longe todo o cinza de suas brilhantes orbes azuladas. Agora eu podia ver. A total compreensão irradiava suas íris.

Ele entendia.

[...]

Soltei uma lufada de ar, passando o antebraço na testa para limpar, ou tentar limpar, as gotículas de suor. A lanchonete estava lotada, como sempre, porém, o clima não ajudava nem um pouco. O verão é incrível. Para se passar em uma praia e não como uma garçonete em uma lanchonete movida a fritura, é claro.

- Não é fácil mesmo - Hailey comentou ao notar minha cara de descontentamento.

Grunhi.

- Com certeza não.

Eu havia enterrado todos os questionamentos que eu jogaria em cima da minha colega de trabalho ao notar que eu seria um tanto inconveniente e hipócrita se eu tomasse tal atitude. Ela evidentemente não se sentia confortável em falar sobre o assunto e, entendendo perfeitamente como é se sentir assim, resolvi deixar para lá.

Ela só tinha 15 anos, afinal. O que poderia estar escondendo de tão chocante?

- Hawley! As fritas! - O cozinheiro bradou.

Grunhi pela quinquagésima vez naquela tarde, lançando um sorriso amigável para a morena ao meu lado e me dirigindo até o balcão para pegar o pedido de alguém e entregar para esse tal alguém.

Mesa 3.

Um casal ria, bebericando seus respectivos sucos.

4.

Um homem sozinho. Bem, apreciando a companhia dos seus dois hambúrgueres e sua porção extragrande de fritas.

5.

Um homem de idade e uma criança. O senhorzinho ria de uma careta que o mais novo fazia. Avô e neto, supus.

Eu adorava isso. Passar entre as meses e analisar os momentos descontraídos das pessoas, a expressão em seus rostos quando gargalhavam de algo muito engraçado ou o franzir de testa ao não entenderem algo. A emoção dos pequenos detalhes sempre me atraiu.

- Voilà - anunciei ao parar na mesa 6, deixando as fritas sobre a mesa.

- Merci, mademoiselle¹ - estreitei os olhos para a voz conhecida.

Mesa 6.

Jovem sozinho. Cabelos compridos, um sorriso de tirar o fôlego e um piercing no nariz.

- Você sabe falar francês? - Perguntei.

- Un peu, l'essentiel.²

Ri, sem graça por não entender uma palavra sequer.

- Bom, seu pedido está aí - me preparei para dar meia volta e sair dali, no entanto, a mão do garoto me impediu.

- Na verdade, eu queria falar com você - ele olhou para as batatas em seu prato e enrugou o nariz. - Eu não viria aqui para comer isso.

Concordei, soltando uma risada fraca.

- E então?

Ele coçou a nuca, um pouco sem jeito.

- Você não quer, não sei, dar uma volta depois que sair daqui?

Ponderei.

- Só se você me ensinar um pouco de francês - cruzei os braços, empinando o nariz em um gesto descontraído.

Ele soltou um riso nasalar, empurrando as fritas intactas para longe e se levantando.

- Fechado.

NOTAS

1. "- Obrigado, senhorita."

2. "- Um pouco, o essencial."

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Crossroad (EM REVISÃO) Where stories live. Discover now