10 | Cicatrizes

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"Pensei ter encontrado um caminho

Pensei ter encontrado um jeito, sim

Mas você nunca vai embora"

Lovely (feat. Khalid), Billie Eilish.

Seus olhos curiosos varriam toda a extensão do meu apartamento enquanto os meus olhos, por outro lado, varriam toda a extensão do seu corpo. Ele se movimentava com calma, girando a louça de porcelana pela alça da mesma.

— Seu apartamento é uma droga.

Não pude discordar. Cora e eu não temos senso algum no quesito decoração de interiores e as caixas de papelão, que deveriam ter sido esvaziadas dias atrás, espalhadas pelo chão da sala não contribuíam em nada.

— É — dei de ombros.

— Uau. Estou impressionado — franzi as minhas sobrancelhas e ele arqueou as suas em sinal de diversão. — Você não vai se contrapor?

Dei de ombros outra vez.

— Você tem razão. É uma droga.

— Tudo bem, agora estou preocupado.

Revirei os olhos, bufando e, rápido demais para que eu pudesse assimilar, seu corpo ficou a centímetros do meu. Seus olhos faiscando.

— Ah Docinho, se você soubesse os pensamentos impuros que eu tenho quando você revira os olhos assim...

Pisquei, atônita. Uma risada escapou de seus lábios entreabertos e ele se afastou, passando a mão por entre seus fios escuros.

— Por favor? — Ele me entregou a xícara e eu não hesitei em girar os calcanhares e andar até a cozinha.

Quanto mais rápido eu der o que ele quer, mais rápido ele vai me deixar em paz.

O que exatamente você está pensando em dar para ele? – Minha consciência zombou e eu bufei, irritada comigo mesma.

O açúcar. Quando eu der o açúcar para ele, ele irá embora.

Parei na divisória entre a sala e a cozinha e observei o moreno analisar com atenção as fotos emolduradas em cima da estante. Decidi que era hora de fazer com que minha presença fosse notada quando ele analisou demais um dos quadros em especial, passando a ponta do dedo indicador nos detalhes ressaltados do ornato de madeira. Arranhei a garganta quando parei ao seu lado, estendendo a xícara cheia de açúcar em sua direção.

— Aqui está.

Seu movimento fora rápido e certeiro demais e de repente já não era mais o moreno que estava diante de meus olhos. A sombra por trás da sua ação ria de mim, se divertindo com o medo estampado em meu rosto. Eu a temi, assim como eu temia cada movimento vindo dele.

" — Eu... Eu não quis...

O lado direito do meu rosto latejava e o gosto metálico do sangue preenchia minha boca. Levei os dedos trêmulos até o supercílio e acompanhei o rastro de sangue que descia até meus lábios, também machucados. Não havia sido a primeira vez, entretanto, a pior de todas até então.

Aly ele me chamou, suplicante. Eu não sei o que deu em mim.

Ele sabia sim. Os pequenos furos, porém doloridos, recentemente feitos em ambos seus braços não o deixavam esquecer, assim como o seu organismo dependente e viciado.

Você me perdoa? Ele cutucava as feridas abertas dos braços, frenético.

Os machucados serviam de lembrete; quando começassem a cicatrizar, já poderia ser feito de novo e, dessa forma, os furos não seriam feitos em uma quantidade muito evidente. Ele me ensinara isso. Contudo, os dele viviam abertos nos últimos tempos. Às vezes, quando não lhe sobrava mais espaço, ele furava os próprios pés.

Os meus, em contrapartida, já estavam cicatrizados. Estava na hora de mais."

Um leve roçar de dedos na maçã do meu rosto me fez abrir os olhos. Os fragmentos do passado indo embora e restando apenas o presente. Um par de olhos azuis vívidos e presentes.

— Hunter?

Percorri os olhos pelo apartamento procurando, mesmo sabendo ser impossível, ele. Hunter segurou meu rosto, uma mão em cada bochecha, fazendo com que eu voltasse a lhe encarar.

— Sou só eu, linda.

Depois de alguns minutos minha respiração se estabilizou e eu afastei suas mãos do meu rosto, me distanciando do moreno. Ele voltou a encarar a fotografia em cima da estante antes de voltar a me encarar e perguntar:

— O que fizeram com você?

Olhei para a antiga versão de mim que pousava para a foto em questão. Sorridente ao lado de Cora, quando ingressamos no ensino médio. Meus olhos brilhavam de excitação e o sorriso aberto em meu rosto era resultado de alguma gracinha feita pela minha amiga, também radiante.

Me quebraram, Hunter. Não muito diferente do que você ainda viria a fazer.

Crossroad (EM REVISÃO) Where stories live. Discover now