15 | Uma taça de vinho

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"Não finja que você não precisa de um pouco mais de mim

Você age como se fosse nada

Nós dois sabemos que é alguma coisa

Mesmo no escuro qualquer um pode ver"

- Don't You Pretend, Kelly Clarkson.

Chovia do lado de fora e as amplas janelas de vidro da lanchonete me permitiam visualizar com clareza as nuvens pesadas que, ao chocarem-se umas às outras, resultavam nas trovoadas barulhentas que abafavam a conversa alheia do ambiente. A chuva forte, que começara como um chuvisco no começo da manhã, trouxe consigo uma frente fria e assim, levou embora toda a minha disposição.

Devido ao frio e a chuva, a movimentação era pouca e, dessa forma, passei a metade do expediente jogando conversa fora.

- ...E aí ele falou que não gostava de ler - Hailey exclamou, deixando evidente toda sua indignação.

Gargalhei, me encolhendo quando um raio iluminou todo o estabelecimento.

- Tem razão - assenti. - Daí já é desaforo demais.

- Não é? - Ela soltou uma risada contida. - Quando eu era menor, o meu irmão sempre me dizia que o homem que não lê não tem mais mérito que o homem que não sabe ler.

Subitamente, a menção do irmão, até então inexistente para mim, fez a garota se encolher e toda a cor se esvair do seu rosto.

- Seu irmão é bem inteligente, pelo visto.

Ela concordou com a cabeça.

- É, ele era.

Era.

Apertei os lábios em uma linha fina.

- Meus pêsames.

Ela arregalou os olhos.

- Ah não, não - ela soltou uma risada trêmula, nervosa. - Ele não morreu, apenas não temos mais contato.

- Bom, é quase a mesma coisa - dei de ombros e, me dando conta de que eu tinha dito o que se passara na minha cabeça em voz alta, voltei atrás: - Desculpe, eu não quis...

- Tudo bem, você tem razão - ela me lançou um sorriso triste.

Olhei para o relógio arredondado pendurado na parede, envergonhada.

- Bom, eu já vou indo - anunciei, retirando o avental e o jogando sobre o balcão.

Hailey apenas balançou a cabeça em concordâcia.

O vento intenso do lado de fora fez meus cabelos serpentearem, alguns fios se chocando contra o meu rosto com força e causando um leve ardor nas minhas bochechas. As gotas finas da chuva, embora constantes e em grande quantidade, me deixaram molhada em questão de segundos. Meus pés se moviam em um ritmo rápido e os braços envolta do corpo não ajudavam em nada na tarefa de me manter aquecida.

Tudo bem, sol. Me perdoe por reclamar, já pode voltar.

Dei um pulo para o lado, soltando um grito agudo quando um carro passou ao meu lado e, por passar em cima de uma poça, respingou água por todo lado, me deixando totalmente encharcada.

- Vá se foder, imbecil! - Berrei à plenos pulmões.

O carro parou e os faróis traseiros se iluminaram quando ele começou a dar a ré, parando ao meu lado e abaixando o vidro fosco que antes me impossibilitava de ver o motorista nitidamente.

- Te deixei bem molhadinha, huh?

Trinquei os dentes, sentindo os nervos se tensionarem de raiva. Meu sangue fervilhava e eu temi não ter autocontrole o suficiente para não socar a cara do moreno.

- Só assim mesmo - provoquei, me referindo a água da chuva.

- Desse jeito você me ofende, Docinho - ele disse, carregando o rosto com um tristeza falsa.

Rolei os olhos ao ouvir o apelido ridículo que ele insistia em usar ao se referir a mim. Abri um sorriso debochado, dando a volta no carro e, depois de abrir a porta, me sentei no banco do passageiro.

- Você vai molhar todo o meu banco, porra.

Sorri, espremendo meu cabelo úmido no tapete do carro.

- Caralho, Alyssa, o que você está fazendo?

Nada de "Docinho". Bem melhor.

- Consegui te deixar bem eufórico, huh? - devolvi a alfinetada e o moreno não fez mais nada além de grunhir, frustado e, sem alternativa, voltar a dirigir.

- Você vai ter que me recompensar por isso - ele sinalizou o banco, agora totalmente molhado, com a cabeça.

Um grande e redondo "não" estava na ponta da minha língua quando as palavras de Cora, após eu ter lhe contado sobre o meu encontro com Zach e o meu impasse com Hunter, reverbearam em minha cabeça.

"Descubra mais sobre os dois, veja qual te atrai mais."

- Eu tenho vinho em casa - tentei soar indiferente, falhando miseravelmente ao pronunciar as palavras rápido demais.

O garoto me encarou por um momento, sua irís azuis intensas me despindo. O sorriso esperto nunca deixando seus lábios.

- Isso é um convite?

Dei de ombros, contendo a minha agitação.

- Não, por quê? - Indaguei. - Você quer eu mande imprimir um?

Ele assobiou, brincalhão.

- legal, legal - seus olhos encontraram o meu rosto mau humorado e seu sorriso venenoso se alargou ainda mais. - Já que você insiste tanto -debochou -, eu vou aceitar.

Examinei seu rosto, esperando encontrar algum tentáculo alienígena que explicasse todo o iminente carisma vindo dele e, levando em consideração todo o pouco que eu sabia dele, fiquei com medo de estar sendo atraída para uma armadilha para, depois de pega, ser devorada.

- Uma taça de vinho e é só, entendeu? - Esclareci.

- Não estou pedindo nada além disso, linda.

Relaxei, me dando por satisfeita.

De fato, naquela noite, você não pedira nada além de alguns goles de vinho. No entanto, eu não demoraria para implorar por mais.

Eu não estava interessada em desgustar o vinho.

Crossroad (EM REVISÃO) Onde as histórias ganham vida. Descobre agora