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— ... Seguirá uma dieta balanceada, você tem direito a dois lanches por dia. Se você acha que abrir mão de comer um hoje faz com que tenha três lanches amanhã, está completamente enganada. — Yokoyama continuava a me passar as coordenadas. Se bem me lembro, já tinham se passado meia hora desde que ela começou. Mas foram poucas as vezes que realmente absorvi suas ordens, passei boa parte do tempo vendo o meu reflexo vestido com aquele uniforme exageradamente formal. Sapatos tão pretos que brilhavam, meias brancas até os joelhos, saia quadriculada cinza, um pulôver também acinzentado por cima de uma camisa social engomadinha demais e um blazer azul marinho de camurça que parecia ter um tamanho maior que o correto em mim. Pelo menos quem escolheu essas roupas tem bom gosto, e julgando pela qualidade sinto que esse lugar não é público ou de fácil acesso. — O alarme toca as sete da manhã. Toca novamente às oito para sinalizar o início da primeira aula. Está liberada para tarefas de sua escolha a partir do meio dia, mas só poderá sair da última aula com a permissão do professor. A primeira aula de hoje é matemática.

Olhando Yokoyama agora que eu já estava conformada com o fato de ser praticamente jogada aqui dentro sem nenhuma explicação, apenas concluí que ela parece bem jovial. É algo que se nota assim que bota os olhos em seu rosto, algo misterioso que me faz ter um certo medo. Acho que era efeito do seu cabelo muito preto, ou da sua altura e até mesmo o jeito que seus lábios estavam pintados de vermelho.

O reflexo do espelho do armário de especiarias em sua sala revelou o seu olhar de soslaio em mim enquanto eu trocava as minhas vestes normais pelo uniforme. Estava disfarçando, muito mal inclusive, os seus olhares em mim. Se ela tivesse a cara de pau e me olhasse sem se dar o trabalho de não parecer que estava admirando, eu me sentiria menos constrangida.

— Meu tio pagou para eu estar aqui? Pensando bem, não precisa me responder, é óbvio que não me daria sapatos como esses de graça. — Só me pergunto onde ele arrumou dinheiro para isso. Será que ele ganhou naquele sorteio da TV?

— Você não tem um bom histórico e diante disso é bom que saiba que temos uma ótima dinâmica para lidar com internas problemáticas.

­­— Me sinto doente quando você usa essa definição.

— Vista isso. — Ela me estendeu uma gravata quadriculada azul.

— Eu preciso mesmo botar isso?

— Sim. — O seu olhar se demorou por um instante em direção a minha cabeça.

Yokoyama levantou apenas para alcançar o topo da minha cabeça e puxou o meu gorro, o segurando com seus dois dedos finos do mesmo jeito que se segura um pano muito sujo para em seguida jogá-lo na lixeira ao lado de sua mesa.

— EI, NÃO BOTE SUAS MÃOS ONDE NÃO LHE DIZ RESPEITO!

— Esses trajes não são permitidos.

— A sua ousadia comigo também não, minha senhora!

Enfiei a mão no pequeno lixeiro e puxei de volta o meu gorro preto e empoeirado. O guardei junto com as minhas roupas anteriores na prateleira que Yokoyama apontou anteriormente quando eu tinha acabado de trocar as vestes.

— É bom que saiba que o linguajar e a maneira de se dirigir aos superiores é algo que eu prezo muito, então trate de arrumar. — Ordenou, o queixo erguido e o nariz empinado.

— Aham, você não parece respeitar as pessoas, como pode exigir algo que nem você faz?

Seus olhos se estreitaram em minha direção. Seu rosto endureceu.

— Eu não costumo fazer isso, mas dessa vez vou remediar. É bom que você converse com as outras garotas e então rapidamente adquira o conhecimento que eu espero não precisar te ensinar. Não ache que somos como qualquer educador por aí. Nós ensinamos competência, compromisso e a postura correta do aluno perante a sociedade. Tem sorte de ter alguém que se importe com você como o seu tio. Ele sabe que não vai se decepcionar ao te manter aqui. É tudo uma questão de tempo até entrar no modelo perfeito de uma aprendiz.

betting everything [Game Over]Where stories live. Discover now