thirty eight

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Point Of View: Lalisa Manoban

Yeri passou dois ou três minutos a dedilhar o dispositivo acoplado na cadeira que Wada tinha controle, o mesmo que havia usado para revelar o orfanato diante dos meus olhos por uma projeção na parede. Sem muita demora conseguiu fazer as tiras que prendiam meus calcanhares e pulsos desatarem. Me jogou uma bolsa de roupas e fez sinal para vesti-las. Ainda não tinha tirado os olhos da máquina, que agora já era um computador esverdeado cheio de comandos que eu nunca entenderia. As vestes eram parecidas com as que vira as pessoas lá fora usando pelo vidro da cúpula; calças justas, botas, um suéter cinza com rebuço alto e um sobretudo de mesma cor tão grande e quente que parecia ter pertencido a alguém que praticava tiro em lobos no inverno. Kim Yeri continuava manipulando certas coisas pelo controle que adquirira temporariamente na cadeira e quando me viu vestindo as luvas, meteu o dedo uma última vez na luz luminescente que simulava um mouse e se aproximou, puxou o capuz da roupa sobre minha cabeça e prendeu uma máscara meia face em cada lado da minha orelha, depois ergueu minha rebuça.

— Esconda o fogo de sua boca como se fosse um dragão infiltrado no meio de hipogrifos. — Diz ela, rindo, puxando sua lapela para cobrir seu rosto. Dá um passo atrás para me observar. — Você sumiu atrás desse casaco, ótimo. Está pronta? — Pergunta, a voz soando abafada agora.

Estou me prendendo para não correr daqui. — Consigo escutar minha própria respiração, as ondas sonoras da minha voz se chocando com tantas camadas de pano até que chegue aos ouvidos de Yeri.

Que bom que se controla tão bem.

A porta desliza para a esquerda e Yeri toma o comando, sigo de perto em suas costas até passarmos pela porta e ela se fecha em nossa frente, simultaneamente outra placa deslizante se fecha atrás de nós e estamos numa cápsula pouco espaçosa que nos impede de seguir adiante, com certeza não deveria estar sendo usada por duas pessoas ao mesmo tempo, estamos apertadas ali.

Melhor prender a respiração. — Diz Yeri.

Não tenho muito tempo para pensar, um vapor gelado explode de todas as direções num chiado irritante e forte que sinto a sensação térmica ultrapassar as roupas, vindo de mangueiras com alta pressão, cheirando a álcool em gel. Quando se encerra bruscamente, me sinto como uma barata diante de um veneno spray. Uma vez que consigo uma visão clara, vejo que finalmente temos passagem para a liberdade.

Eles têm complexo de limpeza, são todos assim. — Explica Yeri, expressando desgosto na voz, abanando a mão ao nosso redor.

O lado de fora do quarto opaco era simplesmente chique e luxuoso, ao decorrer do corredor havia um tapete grosso e vermelho pelo caminho, o chão lustrado em cerâmica preta e as paredes almofadadas e refinadas, tendo seu continuar feito de madeira envernizada cor de bronze, como a mais cara mansão em Gangnam. Levando em conta o quanto tudo parecia novíssimo, poderia dizer que o espaço tinha acabado de passar por uma reforma dispendiosa. O teto era um céu que se aproximava lentamente das nuvens, uma imagem 4D, ultrapassando-as aos poucos e num minuto alcançaria a galáxia, provavelmente mais uma interface digitalizada, espero eu, tenho minhas dúvidas, era real demais. O nível de tecnologia mais me assustava do que surpreendia.

E nós passamos por todo o corredor repleto de cientistas incomuns, cada um mais bizarro e bem vestido que o outro, uns tinham olhos exageradamente arregalados de quem se manteve por meses sem dormir com o uso de potencializadores energéticos, com aparência caída, dopados, mas trajavam um smoking espetacular apesar dos pesares. Outro passou ao meu lado com aterrorizantes olhos que não tinham uma única cor, transitando e assumindo uma coloração completamente diferente como uma TV mudando de canais, cada qual intensificando ainda mais a sensação de medo. Me acheguei em Yeri, amedrontada. Ela inseriu uma mão dentro do bolso e usou o cotovelo elevado para mantê-lo tocando em mim, um ato de apoio silencioso. Deuses, tinha até um deles com asas, grandiosas e azuis em tom naval. Até que eu decidisse não olhar para mais ninguém, me espantei silenciosamente ao me deparar com uma mulher que possuía pupilas duplas em cada um dos olhos; as duas íris de seu olho direito uma auxiliava em não deixá-la tropeçar no caminho e a outra girou empurrando a pupila irmã, se interessando em um feixe forte de luz que tinha se acendido ao abrirem a porta de uma sala qualquer que dava entrada e saída por onde estávamos passando. As outras duas do olho esquerdo; uma fitava a tela de um celular em mãos e a outra se levantou, me olhou e se cravou em mim, curiosa. Tomada por uma sensação de vertigem, baixei a cabeça e prendi o ar violentamente, percebendo ao final, quando passei por ela e dividimos por um segundo o mesmo ar da passada uma da outra, que as quatro pupilas tinham todas se focados em mim numa só vez com interesse repentino. O sangue tinha sido drenado do meu rosto, tinha certeza, de tão pálido de terror que eu estava ao vivenciar isso. Precisei de um grande esforço para não pular de susto.

betting everything [Game Over]Where stories live. Discover now