📓 Um Livro

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– Ei, querida, vamos almoçar? – perguntou Andréa, entrando na sala de Beatrice sem pedir licença, tal como sua personalidade espontânea lhe fazia agir para com todos.

As duas jovens logo na primeira semana descobriram uma empatia profunda, estreitando os laços da amizade.

– Oi, Andréa. – Bea murmurou o cumprimento à colega de trabalho, enquanto às pressas digitava algo na tela do computador.

– O Dr. Bernardi acabou de sair para o almoço.

Beatrice assentiu com a informação sem dar muito crédito. 

– A relação de vocês melhorou em alguma coisa? – A jovem de cabelo encaracolado perguntou.

– Bom, há quase um mês trabalhamos juntos. Sigo seu conselho e da mamãe, fico calada só fazendo meu serviço e ele com certeza cumpre muito bem seu papel. – Bea riu sem graça.

– Minha querida – Andrea tocou na mão de Beatrice, fazendo a jovem lhe olhar no rosto –, continue fazendo seu melhor – declarou com sinceridade.

– É cansativo ser tratada com tamanha seriedade e frieza o tempo todo. Em todo esse tempo nunca vi esse homem rir. – Bea desviou a atenção de Andréa. – Será que aconteceu algo na vida dele ou simplesmente come limão todos os dias? Parece um muro que não se quebra e não deixa ninguém ultrapassar. 

Andréa sorriu de escanteio e expeliu o ar de seus pulmões.

– O Sr. Bernardi gosta da quietude, deixe-o assim – aconselhou e puxou o braço de Beatrice, que pegou a bolsa para ir almoçar.

As duas jovens saíram rumo a um restaurante próximo do fórum. Palletinos, esse era o nome do lugar. Assim que adentraram, Beatrice admirou a elegância e simplicidade na decoração do ambiente, com as toalhas de linho brancas nas mesas. A organização dos pratos e talheres era charmosa e o vaso de flores azuis dava o toque final.  A música calma permitia apreciar de um bom som. A educação dos garçons a fazia sentir-se acolhida. Havia algumas pessoas espalhadas pelo lugar, mas todos discretos. As duas encontraram uma mesa perto de uma janela cuja sua paisagem era um mimoso jardim de inverno. Ao se acomodarem nos assentos, Andréa perguntou:

– Gostou daqui? – Ela percebeu o olhar de admiração da amiga para o lugar.

– Sim, eu adorei. Fazia tempos... – Bea estalava os dedos – que eu não frequentava lugares assim.

– Então, bem-vinda de volta a “lugares assim”. – Andrea riu para a simplicidade da amiga. 

– Obrigada. – Bea sorriu, enquanto colocava o guardanapo sobre as pernas.

O garçom não demorou trazer o menu para as duas jovens. Após escolherem o camarão internacional com porção para duas pessoas começaram a conversar.

– Há quanto tempo trabalha no tribunal, Andréa? – perguntou Bea, apoiando o queixo nas mãos, e procurando com atenção conhecer mais do lugar no qual começara a trabalhar.

– Há dois anos... – Andréa entortou os lábios e mirou uma flor amarela no jardim de inverno. – Se me lembro bem. – Assentiu com a cabeça, dando firmeza a sua resposta.

– Era o seu desejo trabalhar lá?

– Não mesmo. – A jovem de pele morena soltou o ar e abanou a mão em negação.  – Meu desejo era... – pediu com o dedo indicador para Beatrice se aproximar, a colega atendeu o pedido e se aconchegou mais – queria ser doceira – sussurrou e deu uma gargalhada no fim de sua confissão.

Beatrice não sabia discernir se era verdade ou sarcasmo depois daquela risada extravagante de Andréa.

– É um absurdo, não é? – Andréa perguntou retoricamente, batendo as mãos nas pernas. 

– Por que seria? Não é seu sonho? – Bea franziu o cenho para a colega de trabalho.

– É sim, mas ninguém dá valor a uma doceira... – argumentou, olhando para os lados, fingindo procurar alguém.

– Você deveria inovar – assegurou Beatrice.

– Como assim? – Andréa perguntou, sentindo que o assunto havia tomado um rumo bom.

– Saber investir na qualidade. Por exemplo: Ter belas embalagens, isso valorizará os docinhos contido ali. Diz para as pessoas que o seu trabalho é de bom gosto; sabores variados, mas manter a tradição dos gostos comum a todos; um marketing legal. Isso faria toda diferença. E – Bea levantou o dedo indicador – preços acessíveis.

– De fato! – concordou Andrea, pensando seriamente naquele assunto.

– Mas diga-me, por que quer ser doceira?

Os olhos castanhos de Andréa ficaram perdidos. Quando declararia os seus motivos a garçonete compareceu com a comida para servi-las. Ela pôs as devidas porções do alimento no prato de cada uma, serviu os refrescos e após isso se retirou, permitindo assim as duas retornarem a conversa.

– Bom, os momentos mais precisos da minha vida estão na cozinha. – A jovem riu das lembranças que voltavam a sua mente. – Minha vó me ensinou juntamente com mamãe. Quando as duas partiram, a única coisa que restou para mim foi conhecimento sobre os doces que ambas me ensinaram... – a voz já estava ficando embargada. Aquele assunto era delicado para moça de espírito tão alegre, tornando-a, de certo modo, melancólica.

– Então fazer doces é uma forma de reviver os momentos com suas entes queridas? – indagou Bea, colocando mais suco em seu corpo e procurando compreender além do que Andréa falava. Pois apesar da jovem colega ser tão “feliz” ela era fechada em seu próprio mundo.  

– É sim! – respondeu Andrea, levando comida a boca. – Depois delas não tive ninguém para me incentivar. Acabei deixando o sonho de lado. – Deu de ombro, expelindo o ar tristemente, procurando desviar de sua memória aquelas lembranças dolorosas. 

– Não se preocupe! O Senhor Deus irá prover tudo para você. – Beatrice tocou a mão de Andrea, tentando consolá-la, de algo que ela desconhecia no momento. 

– Muito obrigada. – A mulher retribuiu o toque de amizade sobre ela.

Beatrice esboçou um sorriso gentil.

As duas conversaram um pouco mais sobre assuntos triviais e o horário do almoço finalizou. Retornando para o fórum seguiram para o elevador a fim de irem ao seu andar de trabalho. Beatrice iniciou uma conversa sobre um excelente livro que lera há poucos dias e não havia ninguém para discutir tal assunto.

– Andréa, estava lendo um livro muito bom...

As portas do “gigante de aço”, novamente, se abriram e as duas por um momento ficaram paralisadas. O Dr. Bernardi acabara de entrar no mesmo ambiente e apenas as cumprimentou, e permaneceu calado ao lado. Bea aos poucos retomou sua fala anterior.

– Pois bem, a literatura é muito boa, mas há alguns pontos que não consegui entender.

– Qual o nome do livro? – perguntou Andréa sem muita empolgação acerca do assunto.

– “A busca do crescimento” de Jonathan Edwards – respondeu Bea. – É uma excelente obra, mas sinceramente me deixou sem compreensão em alguns momentos.

– Deve ser bom mesmo, mas eu realmente nunca ouvi falar desse homem. – Andréa quicou os ombros e espontaneamente começou a brincar com seus cachos nas pontas dos dedos.

Beatrice suspirou, entristecida. – Poucos realmente o conhecem e o compreendem.

Pedro ao lado somente esboçou um sorriso ao ouvir a inquietação da funcionária. Ele concordava que Edwards era por certo uma leitura difícil, mas entendia muito bem que poucos autores conseguiam abordar assuntos tão importantes com tal profundidade tanto de palavras quanto de poder e emoção.

– Já li esse livro! – ele declarou, levando Bea se calar.

Um Perfeito EncantoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora