📓 Virtude

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Beatrice abriu a cortina da sua sala e fechou os olhos. Queria sentir aquele calor penetrando em sua pele, era como saborear a vitamina D em sua essência. Ligou o ar condicionado e sentou-se na cadeira. Tomou os relatórios e começou a lê-los marcando as partes mais importantes. A sua mente era acostumada com muita leitura, por isso não tinha dificuldades em memorização e interpretação de texto. Isso era de grande valia para a execução daquelas atividades.

Assim que se aconchegou na cadeira, os pensamentos do dia anterior retornaram em sua memória, fazendo-a se sentir tão pequena quanto uma formiga. Ela precisava daquele trabalho, mas não aceitaria ser humilhada daquela forma. Ela mirou o céu límpido através da janela de vidro e orou:

– Ah, Jesus! – Suspirou. – Eu tentei, mas a situação ficou pior em vez de melhorar. Não sei se posso suportar esse fardo.

– Beatrice!

A voz grave de Pedro atravessou as paredes e ascendeu em seus ouvidos, levando-a se arrepiar pelo temor causado com a presença do chefe. Contudo, inalou uma boa porção de oxigênio e levantou-se, indo em direção ao dono de todas as suas angústias no momento.

Quando chegou dentro do gabinete, ela viu Pedro em pé atrás de sua mesa com o olhar perdido em nada específico a sua frente. A firmeza e o autoritarismo ainda repousavam sobre ele, porém a desolação também complementava o conjunto das expressões em sua posição ereta. Ela, com as mãos nas costas e de cabeça baixa, pigarreou, o despertando de seu tupor.

– Srta. Mendes – olhou para Beatrice –, desejo lhe pedir perdão acerca dos meus atos ontem.

Bea ficou boquiaberta ao escutar aquelas palavras, contudo não podia negar a sinceridade e humildade que emanava daqueles olhos azuis.

– Você não tem culpa de nada – ele balançou a cabeça. – Só estava fazendo seu trabalho e a minha brutalidade falou mais alto que a razão.

Toda angústia de Beatrice se desfez diante do juiz. Ela entendera pela primeira vez que algo não estava certo com ele, levando-a até mesmo a querer oferecer algum consolo.

“Não julgue, Beatrice! Você não sabe o caminho pelo qual as pessoas já passaram”. Relembrou o conselho da mãe naquele instante.

Ela consentiu com o pedido de perdão.

– Eu o perdoo. – Pressionou os lábios e deu um leve sorriso. Pedro assentiu e um silêncio incômodo repousou sobre os dois.

– Voltarei aos meus serviços – Bea rompeu aquele momento e girou o calcanhar para trás, voltando para sua sala.

Ao entrar no local, sentou-se no sofá e afundou a cabeça entre as mãos, pensando seriamente sobre o que tinha acabado de acontecer. Certamente, ela não entendia seu chefe.

***

– Ele pediu perdão? Que dádiva, Beatrice! – Andréa sorriu para com aquela atitude do juiz.

– Sim, e eu simplesmente não consigo entendê-lo – Bea suspirou. – Apesar de entender como ele pode estar sofrendo por algo bem ruim – disse assim que a colega de trabalho entrou em sua sala para lhe chamar a fim de almoçarem.

– Ele é um bom homem que está passando por um momento difícil – Andréa defendeu o juiz.

– Tem algo a mais para declarar? – indagou Bea, sentando no sofá ao lado da amiga.

– O Sr. Bernadi sempre ajudou a todos os seus funcionários. – Andrea começou a contar. – Algumas mulheres como a Marluce não conseguia emprego por ser cadeirante, o Sr. Bernardi interviu por ela. Pessoas aqui com sérios problemas familiares foram ajudadas por  causa dele. Todo mundo carrega uma dívida com o juiz Pedro Bernadi. – Uma lágrima desceu da face de Andrea. – Uma dívida interna, porque ele mesmo nunca nos cobrou nada. E é certo que nunca cobrará. Então, quando algo o atinge, nós imediatamente queremos protegê-lo. É estranho, eu sei – Andrea deu de ombros –, mas uma coisa Pedro nos ensinou...

– E o que é? – Beatrice indagou, na sua voz havia urgência.

– Nos disse que seriamos como uma família. – Ela riu de ímpeto e fitou o cacto em cima da mesa de Bea. – Quando ele assumiu essa vara foi isso que nos falou na primeira reunião, mas ninguém acreditou. Contudo, o tempo passou e percebemos que era isso mesmo que havíamos no tornado.

– Como ele fez isso? – Beatrice perguntou, começando a criar uma admiração para com  o chefe.

– O caráter cristão dele sempre o levava a ser gentil conosco. Ia aos nossos setores, procurava nos conhecer. Por isso, as pessoas começaram a relatar com ele sobre suas lutas e no que podia, ajudava-os. Ensinou-nos sobre o perdão, misericórdia, mas ele fez isso através de muito testemunho. – Andréa relatou emocionada.

– Nossa! – Beatrice soltou o ar e jogou-se no encosto do estofado, completamente surpreendida.

– Acredito que nenhum fórum tenha tanta irmandade como esse. A influência dele sobre nossas vidas foi muito grande. – Andréa possuía um ar de grande gratidão para com o chefe.

– Como ele se tornou assim? – indagou Beatrice com aquele relato.

– Ele passou por uma grande decepção – Andréa abaixou a cabeça, mirou suas unhas vermelhas e expeliu o ar pesado de seus pulmões. – As pessoas aqui não tem medo dele, porque sabem da sua conduta. Mas, ninguém se mete em terreno minado.

– Eu não imaginava que... – Até os olhos de Beatrice marejaram.

– Beatrice, ele não luta contra você, mas está fazendo o que pode para não afundar de vez – Andréa disse, segurando nos ombros da amiga. – Há tantas coisas que precisam ser vencidas no coração do juiz e até mesmo nos nossos.

Bea olhou para o lado e comprimiu os lábios, sentindo a realidade daquelas palavras. Sim, havia muito a ser vencido todos os dias.

Beatrice seguiu para trás de sua mesa pensativa. Os relatos acerca de Pedro Bernardi a deixaram sem fala. Sentiu-se mal por ter julgado o chefe. Ele também era um irmão em Cristo e deveria ser honrado como todos os outros. Se propôs no coração orar por ele e ajudá-lo da melhor forma possível.

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