📓 Falha

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Na entrada do fórum, Beatrice avistou Andréa andando em sua direção com os seus majestosos cabelos encaracolados e sorriso espontâneo estampado em sua bela face morena.

– Bom dia, querida! – saudou Andréa mais próxima.

– Bom dia! – Bea retribuiu a gentil saudação.

As duas recomeçaram sua caminhada conversando corriqueiramente, enquanto seguiam em direção à vara. Ao passarem pela recepção do local, falaram com Marluce, a recepcionista, uma mulher robusta e cadeirante. Contudo, sua deficiência nunca foi motivo para reclamações, sempre se mostrava ser uma pessoa alegre e satisfeita com a vida.

Depois de uma conversa amistosa com a recepcionista, prosseguiram até a copa a fim de pegarem o café do Dr. Bernardi. Ao abrir a porta do gabinete do juiz, Bea inspirou profundamente ao ver aquela decoração fria e rústica, sempre tudo tão impecável na organização de seu trabalho, tal como seu chefe era. Parecia que a sala possuía Pedro Bernardi em cada canto.

– Dr. Bernardi é sempre muito tenso, não é? – declarou Bea, organizando alguns papéis na mesa dele a fim de por ordenadamente a bandeja com café e biscoitos.

– Ele é sim. – Andréa se limitou a um sorriso discreto.

Beatrice por um momento se calou, relembrando da mulher do dia anterior. Aquele era um bom momento para conversar sobre aquele caso misterioso.

– Quem é aquela? – indagou, de repente, assustando Andréa que passeava o olhar pelos livros devidamente ordenados nas prateleiras de tonalidade escura.

– Aquela é o diabo em forma de gente – respondeu, virando-se para olhar a jovem loira.

– Como assim?

– Não cabe a mim ficar explicando isso. – Num passo curto e rápido arfou no sofá, situado no centro do gabinete.

– Me conta, vai! – Bea não era de mexericos, mas sobre aquela mulher tinha bastante interesse.

– Não devo... Mas – apontou o dedo indicador para Bea –, quando você informar o Dr. Bernadi sobre a presença dela, minha amiga, você compreenderá bastante coisa. – Reclinou novamente no sofá.

– Assim não vale. – Bea bufou cruzando os braços sobre o peito, fingindo estar irritada. – Então me diga, por que os outros funcionários não gostam dela?

– Todos têm motivos para isso, Beatrice. – O olhar de Andrea ficou inexpressivo diante daquela pergunta. Não queria ter que remexer naquele segredo do fórum e, principalmente, na vida do juiz da vara.

– Céus! Não consigo mesmo ligar nada para compreender essa situação. – Beatrice jogou os braços para cima, mostrando sua total falta de entendimento para com aquilo.

– O Dr. Bernadi... – Andréa desviou o olhar para o lado e umedeceu o lábio inferior.

– O que tem ele? – Bea indagou com insatisfação ao ver como sua amiga enrolava para lhe dar uma resposta plausível sobre aquela situação.

– Merece seu descanso!

– Descanso? Mas por quê? Quem é essa Letícia Prado? – Os intensos questionamentos de Beatrice foram cessados ao ver a porta do gabinete ser aberta de forma abrupta.

Andréa no mesmo instante ficou de pé, ao contemplar o rosto fechado do juiz. Céus! Se ele tivera ouvido a conversa, estaria perdida. Letícia Prado era um nome de grande ofensa a Pedro Bernardi.

– Quem esteve aqui? – A voz grave e pesada dele levou Bea a sentir um tremendo embrulho no estômago.

– Uma mulher chamada Leticia Prado – respondeu o nome quase soletrando.

O homem segurou com tamanha força a maçaneta da porta, a qual estava com a mão apoiada, que os nós de seus dedos ficaram brancos e as veias saltaram para fora. A expressão do rosto  de Pedro mudou completamente. Parecia que algo o havia atingindo. O semblante de raiva se tornou nítido, fora do normal. Seu rosto branco parecia pegar fogo pela intensidade da vermelhidão.

Ele caminhou rumo a Beatrice com o olhar flamejante.

– Nunca mais em toda sua vida repita esse nome! – A última palavra saiu de forma extremamente rude e sombria.

– Mas eu... – Bea tentou se justificar, mas seu corpo começou a tremer diante daquele olhar duro como rocha.

– Não me interessa! – a voz alterada dele fez a perna da jovem estremecer e as lágrimas se amontoarem no canto dos olhos.

– Eu não tenho...

– Não tem direitos de se meter onde não foi chamada!
Bea engoliu em seco, se sentia acuada e totalmente desolada por estar sendo tratada daquela maneira tão injusta.

– Doutor, eu...

– Ainda vai ousar dizer alguma coisa? Será que a ordem não está clara?!

Andréa percebeu a respiração acentuada de Beatrice e tinha quase certeza que a jovem estava a um ponto de se lançar em uma tola discussão com o juiz. Ela fitou a amiga que lhe dirigiu o olhar e aproveitou para dizer somente com os lábios: – "Não diga nada!" Porém, seu conselho foi ignorado.

– O senhor não me deixa falar e já vai logo me atacando! – explodiu diante do homem de olhar furioso a sua frente. – Eu tenho tentado manter até mesmo uma convivência entre nós, contudo suas atitudes sempre frias me fazem sentir que estou pisando em ovos. Esse seu temperamento é horrível! – Despejou em cima do juiz toda a sua raiva. Ele não podia tratá-la daquela forma.

Pedro fechou os olhos, inspirou profundamente e soltou o ar quente.

– Dr. Bernardi, a Srta. Mendes apenas estava comentando sobre a visita da mulher no fórum ontem à tarde. – Interviu Andréa, antes que a situação ficasse mais carregada entre os dois. Ela sabia que o juiz estava a um passo de encolerizar-se ainda mais. – Beatrice me perguntava sobre quem era ela a fim de poder lhe passar o recado.

– Saiam as duas, agora! – ordenou secamente e as mulheres em passos rápidos caminharam para fora.

Beatrice soltou uma lufada de ar depois de sair daquele clima sobrecarregado na sala. As suas lágrimas não demoraram a chegar, fazendo-a desmoronar nos braços de Andréa.

– Ele me odeia, Andréa! Me odeia!

– Não odeia, Bea. Dê tempo ao tempo e as coisas se acertarão.

Elas se encaminharam rumo à copa. Andréa tinha certeza que um chá faria bem à amiga que certamente estava abalada por tudo aquilo que havia vivido.

***

Pedro sentando em sua mesa tomou para si todos os processos que estavam atrasados e afundou-se ainda mais em seu trabalho. Maldição! Letícia era um espinho em sua carne. Por um momento, ele fechou os olhos e relembrou a sua terrível grosseria para com sua funcionária. Ele arfou na cadeira, sentindo a culpa tomar conta de sua alma. Massageou as pálpebras, pensando: “Sempre ela, me trazendo a desgraça!” Como ele odiava aquela mulher que parecia nunca sair de sua vida. Letícia era como uma sombra que o cercava e, no fim, sempre acabava prevalecendo sobre sua própria racionalidade de controle. A lembrança das lágrimas de Beatrice invadiu sua mente, pesando ainda mais seus fardos. Reconheceu que, sinceramente, ela não merecia ter ouvido nada daquilo.

Um Perfeito EncantoWhere stories live. Discover now