Capítulo 41

9.5K 1.4K 192
                                    

Deise

A ponta dos dedos fazem círculos no meu couro cabeludo, a sonolência agora é minha companheira e eu não consigo ouvir o que me é dito. Eu adoro ter meus cabelos mexidos, adoro mais ainda o fato de que minha mãe sabe exatamente onde tocar e acariciar. Contudo, nem isso me faz esquecer a mensagem de Anderson que recebi há algumas horas.

Duas semanas. Se isso é uma espécie de castigo pode parar porque aprendi a minha lição! Tentei te dar espaço mesmo você estando doente mas agora já chega Deise, você decidiu que era melhor terminar e mesmo querendo dizer não, eu concordei. Concordei porque achei que aquilo era o melhor para você mas eu não consigo ficar longe, não consegui no Canadá e tampouco estou conseguindo agora. Por favor, volta para nos acertarmos.

De tanto ler aquelas palavras decorei uma a uma. Obviamente não respondi. Não estava castigando ninguém, mas quando decidi, em uma conversa com meu irmão, que a melhor opção seria passar um tempo em Salvador não pensei em Anderson, pensei em mim e que esse momento seria esclarecedor e renovador. E agora vejo isso. Voltar para o lugar que foi o meu cenário triste e desolador durantes anos me trouxe um novo pensamento e me levou a uma nova perspectiva: talvez eu tenha dado atenção demais a dor que não consegui ver o amor a minha volta desde que fui adotada.

Que é o que eu mais tenho recebido.

— Sabe minha filha, eu tentei por todos esses anos, com todas as minhas forças, apagar as memórias da sua mente. — Minha mãe diz — Mas eu sabia que era impossível, então tentei criar novas lembranças para você. Lembranças boas e felizes.  Você tem uma família que te ama muito filha. — Me viro para olhá-la — Quando você decidiu viajar seu irmão ficou louco. Sei pai já não era mais vivo e ele disse ser o homem da casa e não permitiria que viajasse para um lugar perigososo como São Paulo.

— Eu não sabia disso.

Ela abaixa o olhar. Os dedos agora dedilham minha testa.

— Conversamos por dias sem você saber. Ele queria "impedir" a irmãzinha de sair da bolha que criamos e eu tentava impedi-lo de fazer isso. Marcelo sempre foi super protetor, achava que se você morasse sozinha não conseguiria e sucumbiria as lembranças.

Faço uma careta.

— Minha mãe é a senhora!

Ela me ignora e continua:

— Eu nunca gostei de falar sobre o que viveu. Sempre achei que era suficiente o que guardava na mente mas hoje vejo que errei em não fazer.

— Ei, tudo bem. Estou aprendendo a superar.

— Não é o que parece. — Resmunga. Franzo o cenho me endireitando no sofá e encarando-a nos olhos. — Você parece está fugindo desse moço minha filha, estar corada e seus exames estão bons, os dias que o médico prescreveu já venceram e ainda está aqui olhando o celular de minuto em minuto e deitada no sofá encarando o nada, não te criei para isso.

Desvio o olhar envergonhada.

Então curvo os lábios em um sorriso tentando ocultar o fato de que ela tem razão.

— Estar me mandando embora dona Eva?

Minha mãe faz um barulho com os lábios, como se dissesse que sou besta por sequer cogitar essa idéia, suas mãos seguram as minha aquecendo-as isntantaneamente.

— Quando cheguei aqui você pensou estivesse grávida e por isso estava de volta, ameaçou matar o homem que "supostamente fez isso com a sua menina inocente" e agora quer que eu volte?

— Oxe, mas você não estar grávida.

Rimos.

— Eu só quero que fique bem. Suei e lutei para que os meus filhos fossem felizes. Rezo toda noite para que Deus lhe dê o que precisa e ampare vocês não deixando que nada de mal lhes aconteça naquela cidade louca e com gente louca.

DEISE © - OGG 2 [COMPLETO]Where stories live. Discover now