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Os gritos me fazem suspirar. Não sinto medo. Apenas frustração. A ignorância deles me irrita. Mas eu não poderia simplesmente matar todos eles. Eles me matariam primeiro. E isso vai acontecer logo.

O fato desses pensamentos não me assustarem me deixa levemente incomodada. Qualquer um tem medo da morte. Por que eu não?

Abaixo o capuz ao ver que a claridade das tochas já está perto o bastante. Eles gritam demais. Reviro os olhos.

— Vamos acabar logo com isso, sim? — dou um sorriso educado enquanto eles me encaram com confusão por um momento. Então os gritos recomeçam e eu quase os peço para se apressarem. Ninguém aguenta esse drama, meu Deus.

Cruzo os braços, desejando controlar o tempo para pular essa parte. Dois brutamontes me agarram, um cada braço. Suas mãos tocam as minhas e sem que eu queira meu poder flui de maneira negativa até eles. Como em um passe de mágica, caem tremendo no chão. É engraçado ver eles se contorcendo. Até que param. Estão mortos.

— Alguém mais? — sorrio como uma criança que fez besteira. Como meu pai dizia: se está no inferno, não se preocupe em ser bonzinho.

— Bruxa! — essa palavra já está começando a me dar nos nervos. Não sou uma bruxa. Se fosse, já teria matado todos. Só sou...
Eu não sei o que eu sou.

— Anda! — meu adorável algoz me espeta com uma das ferramentas de usar no campo. Eles me forçam a andar até meu fim. Me amarram usando panos, sem me tocar desta vez.

— Últimas palavras? — o mais belo homem da vila questiona, seu olhar satisfeito me faz estremecer de ódio. Ele me seduziu apenas para me trair.

— Você será o último a morrer — o olho com frieza — e doerá como o inferno.

Ele se afasta parecendo enojado. Eu gosto. Mas meu sorriso logo some quando ele é o primeiro a inclinar sua tocha para o feno que há a minha frente.

Todos parecem parar quando um grupo de pessoas encapuzados surge. Surgem mesmo, do nada. Não os vi chegar. E, aparentemente, não sou a única.

— Ora, acho que chegamos atrasados — um deles diz. Seus olhos vermelhos brilham sob a luz das tochas. Sua pele é tão pálida que parece a de um morto. Mas sua voz... é encantadora. Na verdade, pelo pouco que posso observar, sua beleza é com certeza extraordinária. Todos são.

— Pois eu acho que chegamos bem na hora, mestre — um mais jovem diz e em um segundo está a um passo de distância do meu fogo. Ele me olha de cima a baixo e sorri, seus dentes extremamente brancos e afiados me fazem retesar. Mas não há para onde fugir.

Ele me solta com rapidez e me tira do meio do fogo em segurança. Percebo que não me machuquei nem um pouco. Quando os ignorantes percebessem que não poderiam me queimar, será que eles me esquartejariam?

A pergunta é deixada de lado quando percebo que os encapuzados estão matando os camponeses. Não me importo, eles mataram todos com quem eu me importava. Apenas quando meu olhar cruza com quem eu mais odeio nesse maldito lugar, que faço algo. Ele está preso nos braços de um enorme homem, que tem seu rosto enterrado em seu pescoço ensanguentado.

— Ele queimará na fogueira — me aproximo dos dois, olhando para meu antigo amor com satisfação.

— Como você deveria ter sido — a criatura sorri com prazer e amarra o loiro estúpido onde eu estava. Ele até tenta lutar, mas não adianta nada. Pego sua tocha do chão e faço questão de joga-la a sua frente.

— Eu falei, não? — sussurro e ele chora, se debatendo. Então vem os gritos e ele implora. Gosto do som dele implorando.

— Perdão por estragar seu espetáculo, minha dama — o cavaleiro mais novo surge ao meu lado, sorrindo com sua boca manchada de sangue — entretanto está na hora de irmos.

— E eu? — questiono. Não há lugar mais para mim nesse cemitério.

— Virá conosco, naturalmente — ele estende o braço e eu aceito sem hesitar. Não os temo. Algo dentro de mim me diz que eles são minha melhor opção agora.

— Soa perfeito — comento, deixando a vila massacrada para trás.

E esse foi o início da minha nova vida — ou melhor, minha morte.

AlvoradaWhere stories live. Discover now