CAPÍTULO 08

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Os olhos assustados de Tate pesam sobre mim. Encaro-o seriamente vendo sua boca se remexe afim de tentar dizer alguma palavra, mas falha. Começa a trovejar por todo o céu daquela área. Gotas grossas de água caem sobre o meu rosto. Tate estende suas mãos para dentro da casa e ordena em silêncio que eu entre.

Me adentro em sua casa indo em direção a sala. Analiso todos os cômodos, está uma bagunça. Vejo que o próprio já está com convidado. O cara segura um cigarro numa de suas mãos, enquanto a outra segura um copo de cerveja. Ele me olha com malícia.

— Olha! Temos visita. — O cara profere fumegando o seu cigarro. — Você fuma? Bebe? — Eu não respondo a nenhuma de suas perguntas, apenas balanço negativamente com a cabeça. Tate aparece na sala e ordena que o seu amigo fosse embora. Ele assente e se ausenta da sala. Ouço a porta sendo fechada. Tate estende sua mão para uma cadeira de madeira e ordena novamente em silêncio que eu me sente. Sento-me na cadeira e coloco o meu braço direito sobre o meu nariz para que pudesse espirrar. Pego um lenço em minha bolsa e passo sobre o meu nariz a fim de limpá-lo.

— O que você está fazendo aqui? — A voz meio grossa de Tate sai num tom assustado.

Ponho minhas mãos sobre minhas coxas, baixo minha cabeça e respiro fundo. — Porque você fez isso? Porque foi embora no momento em que eu mais precisava?

— Eu... Eu estava com medo. Ela se matou, por minha culpa.

— Por nossa culpa. — Corrijo-o.

— Mas foi eu quem fiquei insistindo.

— Para de se culpar, você sabe que naquele tempo estávamos cegos de amor. A paixão que sentíamos um pelo outro tomou conta de todo o nosso ser, não conseguíamos evitar.

— O que você veio fazer aqui? — Tate pergunta pegando mais um cigarro na caixinha e colocando em sua boca. Levanto-me indo em sua direção e tomando o cigarro do próprio. Vejo que ele resmunga, não ligo. Havia uma mesa de madeira velha com umas latas de cerveja e duas caixas de cigarros, além de umas lâminas ensanguentadas. Vou de encontro a Tate e viro o seu braço para ver o seu pulso. Suspiro forte ao perceber que está todo cortado, cicratizado. Ele solta o seu braço de minha mão com força.

— O que aconteceu com você? — Tate não responde à minha pergunta, apenas coloca suas duas mãos sobre o rosto e começa a chorar. Coloco minha mão sobre o seu ombro, tentando amenizar o seu choro incontrolável. Ele para de chorar por um momento e me olha com os seus olhos azulados, carregado de dores profundas.

— Eu... — Respira fundo. — Fiquei com depressão depois da morte de Henia. — Não consegui disfarçar a minha cara de assustada.

Acho que Tate está pagando o preço por ter zoado de tantas pessoas com depressão, ele dizia que depressão era frescura, que se cortar era coisa de gente imbecil, que gostavam de chamar atenção. Ele agora está aí, carregando o peso de seus pecados, mas não o julgo. Também estou carregando o peso da culpa de ter matado Henia. Se naquele dia eu não estivesse lá, talvez Henia ainda estaria aqui, sorrindo. Mas talvez ela ainda continuaria sendo traída. Começo a pensar em como Henia se dava bem com sua familia, seus pais o amavam. Que ironia, enquanto eu sofro por não ter um pai, o pai de Henia sofre por não ter mais uma filha. Pressinto que lágrimas saíram do meu rosto, então tento controlar meus pensamentos.

— Você está me escutando? — Tate indaga batendo levemente sobre o meu ombro, tirando-me dos pensamentos.

Não respondo a sua pergunta, pego pelo seu braço e escuto o próprio gemer baixo, solto seu braço e seguro em sua mão. Ausentamos de sua casa, indo em direção ao carro preto. Tate começa a fazer perguntas, mas ignoro todas. Vou até a sua casa e fecho a porta. Volto para o carro preto, entro e dou partida.

***

Tate me olha ainda sem entender para onde eu estava levando. Já faz uns vinte minutos que estamos na pista, não me lembro de ter demorado tanto quando estava indo para a casa de Tate. A chuva havia cessado, deixando apenas a nevoada e o vento frio. Eu admirava a beleza da natureza, enquanto guiava o volante. Vejo Tate pegando um cigarro torado em seu bolso. — Droga! Terei que fumar só a metade. — Resmunga pegando o isqueiro também em seu bolso. — Vai me falar para onde estamos indo? — Indaga acendendo o seu cigarro. Olho de relance para Tate e percebo que ele liberta a fumaça que estava presa em sua boca. A fumaça começa a se espalhar por toda a dimensão do carro, chegando ao meu nariz, começo a tossir sentindo aquele cheiro desagradável. Solto uma de minhas mãos do volante e pego o seu cigarro, enquanto ele está  distraído. Jogo para fora do carro. — Ei! — Profere.

— Não vai fumar aqui dentro, o carro não é meu. E respondendo a sua pergunta, estamos indo pedir desculpas a Henia. — Olho mais uma vez para Tate e noto sua expressão de surpresa.

— Ela est...

— Não, ela não está viva. Nós iremos até sua cova. — Tate fecha a sua expressão.

***

Chegamos a minha cidade, não paro em nenhum local, apenas sigo para o cemitério em que Henia está enterrada.

***

Desço do carro e entrevejo Tate fazendo o mesmo. Fecho a porta do carro e me adentro no cemitério. Ando em passos lentos até a cova de Henia, Tate me segue por detrás.

— É aqui onde tudo termina. — Tate lamenta quase em silêncio. — Encaro-o aturdida pelo seu comentário.

Paro de frente à cova de Henia e não consigo conter as lágrimas. — Oi, melhor amiga! Hoje eu vim aqui acompanhada de uma pessoa. — Digo estendendo minha mão para Tate, para que ele viesse de encontro à cova.

Tate fica de frente para a cova, queria dizer algo, mas sua voz não saia. Ele vê sua foto na parede da cova e ao lado uma cruz de metal. Seus olhos enchem de lágrimas enquanto acaricia a foto.  — Eu sinto tanto a sua falta. — A sua voz finalmente sai. — Não queria que fosse dessa maneira. Você é e sempre foi a garota da minha vida, pena que descobrir isso tarde. Me perdoa, por favor! — Tate profere alto, ajoelhando-se diante da cova. Seus joelhos estavam por completo, na terra úmida.

Meu choro se estende ainda mais, faço o mesmo que Tate, me ajoelho na terra úmida da cova. — Nos perdoa!

Ficamos alguns minutos chorando sobre sua cova, Tate se levanta e começa a falar algumas palavras antes de se despedir. — Eu te amo, e eu precisei que algo acontecesse para que eu percebesse isso. — Ele começa a olhar para os lados e avista uma bela Rosa de cor amarela. Vai de encontro à Rosa e pega. Tate enterra a raiz da Rosa na terra. — Essa rosa aqui sou eu. — Sorri. — Eu estaria sendo estúpido se eu pedisse para que você cuidasse de mim? Espero que não. — Tate volta a acariciar a foto de Henia que havia na cova, antes de sair de cena. — Essa visita me fez muito bem. Não estou sentindo mais o peso que eu sentia antigamente. Henia, eu prometo que sempre que der, eu venho aqui te visitar. — Sorrio ao ver aquele episódio.

Levanto-me da terra úmida e digo algumas palavras antes de me despedir. — Amiga, lembra daquela vez? Quando estava próximo do meu aniversário e você fez uma festinha surpresa achando que era naquele dia? — Rio. — Aquele foi o melhor aniversário de toda a minha vida. Sempre foi você por mim e eu por você, pena que eu estraguei tudo. Me perdoa! — Abaixo minha cabeça em lágrimas, vejo pingos cair sobre a pedra de cerâmica da cova. — Eu te amo. —  Acaricio a foto. Pego o cordão com a metade de um coração dourado e coloco sobre a cruz de metal. — Quero que fique com você. A outra metade está aqui. Você tinha jogado no chão, no dia em que me viu com Ta... — Não término o seu nome. — Então é isso, preciso deixar Tate de volta à sua casa. — Beijo minha mão e depósito ela sobre a foto, Tate faz o mesmo começamos a andar para fora do cemitério, mas uma voz conhecida nos para.

— O que vocês estão fazendo aqui?

Talvez Não Exista Um "amanhã".Where stories live. Discover now