4 Perdendo o foco

1.9K 216 201
                                    

Luca

Cumpri a maioria dos compromissos dos quais meu pai me incumbiu naquela tarde. Durante mais de trinta anos, éramos referência em todas as festas sobre caridade. Nosso templo era a igreja independente mais rentável de todo o sul da Itália e éramos respeitados por não seguirmos modernidades cristãs. Meu pai havia batido no peito ainda jovem que criaria uma doutrina que se assemelhasse a perfeição quando o quesito era moldar caráter, e principalmente, a falta dele. O que ninguém mais sabia, era que para isso, ele havia quebrado todas as regras de civilidade, não só religiosas, mas em todos os âmbitos. Nossa casa era o exemplo nítido. Um pai e homem relapso que passava seus dias criando mais regras e doutrinas, discursos de convencimento em massa, noite de orações, mas não via sua mulher "fornicando" com os mais diversos homens. Ou o quanto seus filhos não davam a mínima para regra alguma imposta por ele.

Era exaustivo tentar parecer perfeito aos olhos de todos. O filho perfeito de um grande líder, quando eu só queria sumir dali e me livrar de tudo aquilo.

Se fosse eu a sumir, ninguém se importaria, já era esperado. Mas Enrico? Ele era o filho de aparências perfeito. Tão hipócrita quanto o pai. Adorava a atenção de ser o líder de tantas pessoas. Aquilo inflava seu ego já gigantesco. Sem ele, meu pai estava perdido, e ele sabia disso. Aquele maldito prazo de três meses havia sido como uma chicotada nas minhas costas, me obrigando a agir. E é claro que eu agiria, não queria o lugar do meu irmão. E meu pai sabia disso.

***

Peguei meu celular no bolso enquanto descia as escadas, já vestindo o macacão, era perto das oito da noite e queria me certificar que tudo funcionasse.

⸻ Estou indo, está tudo bem por aí? ⸻ perguntei a Giacomo assim que ele atendeu.

⸻ Perfeito senhor, ela o espera.

Desliguei a chamada já imaginando o dia de cão que ele passara com aquela garota desaforada. Mas ele era perfeitamente preparado para tarefas como aquela, era a pessoa mais discreta que eu conhecia, apesar de não seguir as minhas ordens e ser o homem de confiança de meu pai, ele não falaria nada sobre mim para ela, por mais que ela perguntasse, e eu sabia que ela perguntaria.

Peguei as chaves da moto e me virei, mas Rafaella segurou meu braço me fazendo parar.

⸻ Para onde está indo?

⸻ Checar sua pista. ⸻ respondi secamente tentando me livrar dela.

⸻ Tome cuidado, querido. ⸻ Sua voz saiu de maneira tão terna e inocente que tive que olhar para os lados para ver se não tinha ninguém ali nos vendo.

⸻ Eu sempre me cuido. Devia fazer o mesmo. ⸻ Sorri e saí.

***

Subi na moto abrindo o portão da garagem, o dia que começara com um incêndio, passara por reuniões insuportáveis, agora exibia um humor como o meu, tempo fechado, e algumas gotas de chuva começavam a cair. Mandei uma mensagem para Giacomo antes de sair, e acelerei, com o vento parecendo me cortar mesmo de macacão. Era como se algo soubesse que eu estava fazendo a pior coisa da minha vida. De alguma forma aquela mulher já estava fodendo meu psicológico, porque a ideia de encontrar Enrico havia ficado em segundo plano enquanto eu pensava no encontro com ela.

Parei em frente ao bangalô com vista para Isola Bella. A casa estava iluminada e já dava para sentir o cheiro da comida do lado de fora da casa.

Entrei sem cerimônias, afinal a casa era minha. Ela estava na cozinha, rebolando enquanto cozinhava, ainda estava com a roupa que usava quando a levei do incêndio. Uma roupa parecida com a de praticar esportes, mas mesmo com as vestimentas singelas, ainda era uma bela mulher.

Infame Onde histórias criam vida. Descubra agora