12 Conforto

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Luca

Conversamos por mais alguns minutos, o dia já dava sinais de amanhecer quando  percebi seus olhos pesando. O calor do chá havia aquecido seu rosto. E imaginei que a mesma sensação que me preenchia de conforto pelo líquido quente a dominasse tambem.  Ainda não estávamos no inverno, mas o outono já tornava os dias desconfortáveis para quem não gostava muito do tempo fresco e úmido.

Ela se levantou da mesa, ainda me olhando, suas mãos delicadas estavam apoiadas na madeira como se ela mal suportasse o peso do corpo por causa do sono.

— Vai dormir aqui? — perguntou ela, piscando demoradamente.

Assenti tentando um sorriso, mas era como se eu pudesse sentir minhas pupilas dilatadas vendo-a vestida daquela forma, com as minhas roupas, totalmente relaxada, como se fossemos íntimos em um grau que eu não conseguia imaginar.

— No sofá. — Me apressei em dizer quando sua boca se abriu para tentar me convidar para o quarto.

Sua expressão de sono deu lugar rapidamente para uma irônica, quase de desafio.

— Está com medo de mim? — sorriu para mim.

Me levantei também, passando por trás dela, deixando um dos braços resvalar em suas costas levemente e me dirigi para o sofá.

— Por que eu teria medo de você, Brasiliana? — sorri com deboche. — Se acha uma ameaça tão grande assim?

— Não ameaça, mas uma tentação... — disse com uma voz rouca, carregada de provocação.

Voltei para perto dela, parando tão próximo, que conseguia sentir sua respiração em meu rosto. O aroma de camomila de seu hálito quase me desconcentrou. — Uma pena para você que eu seja ótimo em superar tentações... — aproximei os lábios de seus ouvidos respirando ali antes de falar — E que eu também saiba brincar. — sorri e me afastei — Boa noite, senhorita Beatriz. Espero que durma bem.

Ela se firmou em pé tentando manter a pose, mas as pernas fraquejaram, percebi a troca de peso entre elas. E antes de ir, percebi a careta nada sutil que ela me lançou.

Me virei, voltei para o sofá e me joguei nele, sem intenção alguma de dormir depois de tudo aquilo. Sabia que não seria capaz. 

Assim que ouvi ela caminhando para o quarto, peguei o celular no bolso da calça e mandei uma mensagem para Rafaella, dadas as circunstâncias, a minha falta no café da manhã não seria uma contravenção muito grande.

"Não vou conseguir lidar com os compromissos de hoje, ainda estou atrás da sua pista, diga a meu pai que estou perto, e que preciso desse tempo."

Enviei, mas meus olhos pararam sobre a foto de seu contato. As palavras de Beatriz reacenderam pensamentos há muito já esquecidos.

A conduta de Rafaella... A visão que tínhamos sobre aquilo, o que Enrico costumava me dizer...
Eu não podia pensar naquilo naquele momento, precisava focar em problemas atuais, deixar o passado, no passado. Mas depois de tanto tempo, verbalizar aquilo, me fez de alguma forma... Reviver... Não era bom, não era agradável...

Fechei os olhos relaxando os braços e as pernas no sofá da maneira mais confortável possível. As articulações estavam doloridas, mas com a profilaxia deveria melhorar. Tinha que voltar a tomá-la as três vezes na semana. Já começava a cogitar a ideia de manter um estoque, já que em dupla jornada, o tratamento estava ficando em segundo plano.

Senti o peso do cansaço, mas estava com medo de me entregar ao sono, não queria correr o risco de assustar Beatriz. Mas não consegui evitar que o sono levasse minha consciência embora.

****

Abri os olhos, ouvindo a porta da frente da casa, pisquei, me acostumando com a luz, vendo que já passava das nove da manhã. Agradeci mentalmente por estar na mesma posição em que me deitei.

Giacomo entrou, olhando em volta até me encontrar no sofá.

— Bom dia, senhor Luca. Trouxe frutas para o café da manhã. — disse erguendo um saco de compras, me mostrando.

Me sentei, incomodado com a dor em meu ombro. Me levantei fazendo careta.

— Obrigado, amigo. — Suspirei me aproximando e remexendo o saco, percebendo o quanto estava com fome. — Rafaella o mandou?

Assentindo, ele começou a tirar as frutas cortadas e embaladas do saco. Eu conhecia aquela atitude, não queria falar a respeito.

— Senhor Ettore não ficou satisfeito em saber que não estará nas reuniões de hoje.

Me sentei na cabeceira da mesa pegando uma maçã verde já cortada, levando um dos cubos a boca. — Ele não fica satisfeito com nada do que eu faço, não faz diferença. — dei de ombros.

Seus olhos passaram novamente pela casa, e ele se sentou ao meu lado — A senhorita Beatriz não retornou?

Não me dei ao trabalho de olhar para ele para responder — Sim, está dormindo no quarto. Aliás, preciso que compre algumas peças de roupa para ela, peças confortáveis, Rafaella foi metódica demais com meu pedido.

Ele pareceu não me dar ouvidos, apenas se inclinou um pouco mais para mim. — O Senhor está bem com ela aqui?

Sorri baixando os braços para encará-lo. — Por que não estaria?

Ele não respondeu, e nem precisava, sabia o que ele pensava sobre mim, sabia que Enrico falara muitas coisas a meu respeito com ele.

— O que ela conseguiu descobrir?

Suspirei — Não muito, mas creio que agora tenhamos uma direção a seguir. Para mim, é mais importante encontrar a amiga dela agora do que Enrico.

— Mas senhor?

— Não tem com o que se preocupar, com ou sem Enrico, vou fazer isso terminar.

Ele ficou me olhando como se me questionasse, e principalmente sobre a parte que lhe interessava, mas eu não entraria em detalhes, era mais fácil guardar planos de segurança somente comigo.

— Bom dia, Gi. — Beatriz disse com uma voz rouca, o cabelo castanho estava levemente bagunçado e a maquiagem borrada nos cantos dos olhos, ela contornou a cozinha, com os pés descalços, parando ao lado dele e lhe dando um beijo no rosto. — Bom dia, Luca. — seu meio sorriso desapareceu olhando para mim. — Nossa, você está péssimo, deveria ter dormido na cama.

Desviei o olhar dela para ele a minha frente, sua cara de espanto era ainda mais acentuada que a minha. De onde ela tirava aquele jeito de ser tão... Como conseguia se apegar as pessoas assim? Tão rápido? 

Interrompendo meus pensamentos, ela se debruçou ao lado dele para pegar o pote de uvas, e começou a comer despreocupadamente, como se fossem aperitivos.

— Sobre o que estavam falando?

— Giacomo vai comprar roupas confortáveis para você, e...

— E? — suas sobrancelhas se ergueram em curiosidade.

— E você vai comigo a um lugar hoje, tenho alguns planos para essa noite.

Ela sorriu colocando os pés na cadeira, levantando os joelhos até a altura do peito, a posição inimaginável para mim, parecia confortável para ela. Na verdade, tudo o que eu ouvira, e o pouco que conhecia de seu jeito de ser, me dizia que ela era uma pessoa que se adaptava e ficava confortável com praticamente qualquer coisa. Não consegui tirar meus olhos dela enquanto devorava as usavas devagar. Só voltei a realidade quando me deparei com o olhar de Giacomo para mim, com aquele sorriso sacana de quem já havia entendido minha mudança.

Eu estava mesmo enfeitiçado pela Brasiliana... E estava completamente exposto.

Infame Where stories live. Discover now