Capítulo 10

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GRACE EDGELL

-Por que não aceitamos a oferta, Grace?

-Chegar com a carruagem chique deles não ajudará em nada! - Continuo a praticamente arrastá-la até a aldeia - Não podemos chamar mais atenção, Mary.

-Grace, estou cansada. Meus pés estão doendo, pare de correr!

Finco meus pés no chão e luto para respirar fundo. Não entendo porque essa pressa para me afastar o máximo possível de Bright Hall, mentira, eu sei muito bem o motivo: Meu chefe me beijou e eu queria sentar em seu colo para beijá-lo outra vez. Sou uma vergonha a todas as madres da Escola de Damas. Estou virando uma devassa? Eu o queria o mais próximo possível, fundir seu corpo ao meu, sentir seu calor, a rigidez de seus músculos, a maciez de seus lábios e lutei contra o impulso de passar os dedos por seus brilhosos fios de cabelo na cor de ouro. Como pode? Parecem brilhar mais que o próprio sol! A natureza estava louca para gerar um ser humano assim?

Não posso julgar nenhuma das criadas por terem se envolvido com o homem, seus beijos estão cheios de promessas ilusórias e eu sei que se realmente me entregasse poderia sair com o coração destroçado completamente - para dizer o mínimo!

-Desculpe, Mary. Estou agitada demais.

-Está muito brava pelo que fizemos? Charlie disse que você gostaria da brincadeira.

-Não estou brava, Mary. Todavia o que vocês fizeram foi muito errado e não deve se repetir, fui clara?

-Sim. - Voltamos a caminhar, desta vez em um passo de velocidade bem reduzida - Você se casará com Lorde Anthony?

-Não, ele é meu chefe. Por que pergunta, querida?

-Charlie disse que vocês deveriam se casar e serem felizes.

-Charlie é uma má influência para você!

Não há como levar Mary para o trabalho outra vez, preciso encontrar alguém para ficar de olho nela enquanto estou em Bright Hall. Imagine se ela e Charlie voltam a se encontrar e passarem o dia juntas? Certamente atrapalharão todos os esquemas de aula e quando a marquesa descobrir todo o desleixo me mandará embora. O emprego é uma necessidade e Mary é uma urgência.

Layla, a filha mais nova da senhorita Lophins e também costureira da aldeia, já está em idade para trabalhar. Dezesseis anos se não estou enganada. Posso pagá-la para cuidar de Mary durante o dia, com minha mãe não sendo mais uma responsabilidade minha as despesas irão reduzir um pouco e posso usar o dinheiro como salário para Layla. Sim, é uma boa solução. Agora é saber se está interessada.

Não conheço muitas jovens de confiança por aqui. Fui embora muito nova e retornava por pequenos períodos, acabei não estabelecendo muitas amizades por aqui. Quando meu pai morreu a senhora Lophins foi extremamente gentil e me ofereceu um emprego. Suas filhas não se afastaram de mim ou me repudiaram como tantas outras pessoas fizeram.

Eu não tive culpa das escolhas infelizes que meu pai fez, mas nem todos pensam assim. De que adianta aborrecer-me por isso? O mundo não é um lugar justo. Nunca foi e nunca será. As coisas tornam-se mais fáceis quando se aceita a situação e segue em frente.

Você é a única pessoa responsável por seu destino, não deposite nos outros responsabilidades que cabem apenas a ti. Sempre haverá julgamentos e pessoas insatisfeitas, mas o importante é buscar a própria felicidade. As pessoas que lhe condenam hoje não pagarão suas contas amanhã, então não dê ouvidos à elas.

-Veja, é a mamãe! - Mary aponta seu dedinho e sigo a direção com os olhos, encontrando nossa mãe debruçada sobre uma janela conversando animadamente com o rechonchudo senhor Yuth. Sua careca parece suada - pelo calor do forno naquele espaço fechado, não é algo que me impressione - o bigode castanho claro estava bem cuidado e de alguma forma atraía a atenção para o rosado de suas bochechas.

Ele é um bom homem, gentil e educado, até mesmo cordial. Em outras circunstâncias eu aprovaria de bom grado o casamento dos dois, contudo ninguém tem a vida perfeita e com o senhor Yuth não é diferente. Seu filho é esquisito, quieto e de olhar malicioso. Não da forma cativante que já vi em alguns rapazes, mas totalmente contrário. Não sei dizer o que é exatamente, porém ele parece esconder um mal por trás dos olhos.

Os olhos são o espelho da alma. Sempre acreditei nessa frase e agora não seria diferente. Desde que me lembro, quando era criança e ele um adolescente, o homem olhava-me de maneira estranha e quando retornei, já adulta, sua atenção não era mais volta à mim e sim a minha pequena irmãzinha. Por vezes o flagrei nos observando de longe e justamente por isso não desgrudo de Mary quando estamos em público. Ela não percebe - e isso é ótimo - os olhares que recebe, mas já a instrui muitíssimas vezes para que não se aproximasse dele sozinha sob hipótese alguma.

-Não deveria estar no trabalho? - A voz de minha mãe me trás de volta para a realidade.

-Fui liberada mais cedo, Mary aproveitou bastante. - Aponto para seu estado molhado - Boa tarde, senhor Yuth.

-Grace! Gostaria de pão? Uma fornada está para sair.

-Agora não, muito obrigada. - Sorrio para ele - Vou resolver algumas coisas antes de ir para casa. Tenha um bom dia!

-Igualmente, senhorita! - Ele acena e eu retribuo enquanto sigo meu caminho até a loja da senhora Lophins.

-Grace, há quanto tempo! - Sou recebida por seu enorme sorriso.

-Boa tarde, senhora L. Gostaria de falar com Layla, ela está aqui?

-Estou! - Ouço sua voz ao longe antes que a mesma surja entre os manequins - Olá.

-Gostaria de falar em particular, tudo bem?

-Claro, claro. Acompanhe-me.

-Mary, querida. Gostaria de me ajudar a escolher uma aplicação? - A senhora L. oferece e Mary corre até ela de bom grado.

Sigo Layla entre os manequins até uma pequena copa que há ali. Ela, a mãe e suas duas irmãs vivem no andar de cima, mas como Layla não tem a menor vocação para a costura, passou a atender como a garota do chá.

-Eu estou trabalhando agora.

-Sim, já me contaste antes.

-Preciso de alguém para cuidar de Mary. Minha mãe se casará outra vez e isso é um problema para nós.

-Por que?

-Ela se casará com o senhor Yuth.

-Não gosto do filho dele. - Fala com uma careta - Ele é estranho e olha de maneira esquisita para as crianças.

-Justamente por isso não posso admitir que Mary fique sob o mesmo teto que ele. Estou lhe oferecendo o emprego de babá de minha irmã, aceitaria?

-Pelos céus, tudo o que eu quero é sair dessa loja! É claro que aceito.

Com um enorme alívio no meu, conto-lhe o que receberá de salário e lhe passo algumas pequenas exigências sobre a rotina de Mary. Layla é jovem, mas é uma amiga muito confiável e sei que em suas mãos minha irmã ficará bem.


Visconde Indecente - Os D'Evill 02Onde as histórias ganham vida. Descobre agora