Capítulo 16

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GRACE EDGELL

Como pude ter concordado com toda essa loucura? Não quero virar uma nobre, não posso ser uma deles. Com suas regras, julgamentos, limites, opressões e suas malditas etiquetas. Nobres zelam pela aparência e gozam de seus privilégios.

Eu não deveria ter aceitado aquele pedido de cortejo, não deveria! Com que finalidade? Casar-me com um nobre? Gerar os filhos desse nobre? Eles portariam armas, desafiariam pessoas para duelos e as mataria. Nobres podem trajar espadas e andar livremente com armas de fogo, sem risco de serem condenados pela justiça ou pelo governo, eles são todos nobres afinal.

O assassino de meu pai não foi condenado por sua morte, anos se passaram e não tenho a mínima ideia do que houve com o homem que matou meu pai. Nobres... Todos iguais, esnobes no auto de seu privilégio observando a vida de nós meros mortais. Pessoas comuns, condenadas por seus crimes.

O que papai pensaria sobre isso? O que mamãe pensará? Ora, por que estou pensando nela? Eu mal a tenho visto, especialmente depois de nossa discussão sobre seu noivado. Ela condenou meu pai quando soube o motivo de sua morte. Sim, ele agiu muito errado, mas ainda sim era meu pai. Papai estava sempre trabalhando querendo nos prover do melhor que conseguia e mamãe? Bem, minha mãe não está em casa quando vou dormir e já saiu quando acordo. Não sei o que tanto faz colada ao senhor Yuth, mas deixar Mary sozinha por seus namoricos é demais.

-Boa noite, senhor Yuth. - Saudo o gentil padeiro e não encontro sinal algum de minha mãe.

-Boa noite, Grace. Em que posso ajudá-la?

-Ainda há torta? Estou voltando do trabalho e gostaria de levar uma para Mary.

Também prometi uma para ela no sábado, porém estou tão irritadiça que afogar minhas mágoas em uma não seria uma má ideia.

-Creio que sim, hoje é dia de frambosa,  deseja uma?

-Oh, sim, por favor. - O homem some por sua loja, todavia ainda consigo escutá-lo - Não tive oportunidade de conversar direito com sua mãe nos últimos dias, ela lhe contou como anda o emprego?

-Emprego?

-Sim, Grace. O emprego. - Escuto sua risada divertida - Ela anda trabalhando bastante no armazém, estava empolgada para começar.

-Eu... Eu não sabia que minha mãe está trabalhando.

-Óh! Ela começou no mesmo dia que você. Realmente não sabia?

-Não, senhor. - Pego a torta embalada - Quanto eu lhe devo?

-É por conta da casa.

-Senhor Yuth, não posso permitir isso. É certo que eu lhe pague.

-Sua mãe me faz feliz como a muito tempo não me sentia. Vá desfrutar da torta com ela e Mary, Grace. É por conta da casa.

-Estás certo disso?

-Absolutamente certo.

Seu rosto rosado ostenta um sorriso gentil e lhe retribuo sem jeito antes de tomar meu caminho para casa. Então seus dias de desaparecimento são por conta do trabalho. Minha mãe está trabalhando e não me contou? Céus, ela deixou Mary sozinha durante todo esse tempo?

-Mary! - Chamo por ela assim que fecho a porta de casa. Vou direto para a mesa e deposito a torta antes que minha irmã entre correndo pela porta dos fundos acompanhada de Layla.

-Olá, Grace. - Sorrimos uma para a outra e vejo ela caminhar até seu casaco em uma cadeira - Já que chegaste irei para minha casa, mamãe prometeu fazer um guizado e estou esperando loucamente por isso.

-Obrigada por cuidar de Mary.

-Ela é um amor, o prazer é todo meu. - Assim que a porta se fecha viro-me para minha irmã que observava a embalagem de comida com interesse.

-Mary?

-O que é isso?

-Torta, mas antes de comermos responda-me um coisa, você sabia que mamãe está trabalhando?

-Sim, todo mundo sabe. Ela disse que seria uma surpresa para você.

-Uma surpresa? Para mim?

-Mamãe disse que você está muito estrassada nos últimos dias e que eu não podia contar porque quando ela recebesse compraria presentes para nós! Podemos comer a torta agora?

-Ficaste sozinha todos os dias?

-Claro que não, Grace. - Solta uma risada antes de correr e pegar os pratos - Mamãe me deixou brincar com o senhor Yuth algumas vezes ou eu brincava com ela no armazém.

-Brincar com o senhor Yuth?

-Sim, ele me deixou ajudar no preparo dos pães! Foi tão legal, Grace, mas um dai eu vi o filho dele tirando dinheiro do caixa e guardando, ele não viu que eu estava ali mas quando percebeu ficou bem irritado.

-Sério?

-É por isso que mamãe disse que eu não voltaria a brincar lá.

-Mamãe disse isso mesmo?

-Disse.

Jesus, o que estou fazendo com minha vida? Mamãe está trabalhando, tentando ajudar e tudo o que fiz nos últimos tempo foi acusá-la. Me sinto tão fadigada. Estive tão preocupada em conseguir um emprego e melhorar nossa situação financeira que não pensei em como minha mãe se sentia.

A condenei por estar se casando outra vez e colocar Mary em perigo, não lhe dei a chance de explicar suas motivações como deveria. O senhor Yuth disse que ela o faz feliz, e se ele a fizer feliz também? Meu pai morreu a mais de um ano e mamãe parece estar seguindo com sua vida. Eu quero vê-la feliz, ficou tão devastada quando ele morreu. Lamentando-se pelos cantos, chorando disfarçacamente quando pensava que eu não estava vendo. Precisava ainda me casar e criar Mary sozinha e eu estou a condenando tanto nos últimos dias.

Ela está conseguindo seguir com sua vida e buscando sua felicidade, então por que não consigo fazer o mesmo? Anthony parece um homem tão diferente, envolvente e feliz. Faz-me desejar estar sempre ao seu lado, mas não me sinto capaz, não consigo.

Minha cabeça parece pesar mil vezes mais, meus ombros estão tensos e doloridos. Tudo o que eu queria era poder sentir confiança o suficiente para arriscar no cortejo com Anthony. Enquanto ele contava sobre sua vida eu não consegui responder nada, as palavras presas na garganta e sufocando.

Sempre que o olho me pego imaginando como seria a face do assassino de papai. Anthony disse que faria qualquer coisa pelas irmãs, desafiar um homem pela honra delas e matá-lo seria a resposta? O pior de tudo foi enterrá-lo recebendo nada mais que boatos sobre como ele morreu.

Preciso conversar com minha mãe.


Visconde Indecente - Os D'Evill 02Onde as histórias ganham vida. Descobre agora