Oitavo capítulo

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(Este capítulo é dedicado a uma memória de Emma da época que ela foi estudar datilografia em Birmingham.)

Já era noite quando a bela jovem desembarcou na principal estação de trem de Birmingham. Uma noite chuvosa de verão. As pessoas que ali passavam talvez estivessem se perguntando o que fazia uma moça àquela hora numa estação de trem, desacompanhada, e debaixo daquela chuva torrencial. Mal sabiam elas que aquela jovem pouco se importava com o horário ou com o clima. Na verdade, as gotas caudalosas da chuva que escorriam por seu rosto só traziam o frescor da liberdade à sua alma. Ela estava feliz por estar ali.

Era a primeira vez que Emma Moore via-se distante de qualquer proteção oferecida pela casa ou pela guarda do pai. O Banqueiro de Londres permitiu que a filha fizesse a viagem com o propósito de tê-la como aliada em seus projetos. Estudar datilografia tornaria Emma capaz de auxiliá-lo nas questões do escritório, e Birmingham oferecia os melhores cursos na época. Além disso, a presença de Emma no Banco seria também uma forma de reaproximar a filha mais velha de si, ela que tanto lembrava sua mãe, antiga esposa do Sr. Moore.

Porém, os sentimentos do velho homem não se deixavam transparecer, elucidando apenas sua ambição descomunal, que não passava despercebida por Emma. Assim, a aspirante à instrumentista, depois de refletir alguns segundos sobre a proposta do pai, aceitou-a com um sorriso no rosto. De início, quis recusar veementemente, sabendo das intenções obscuras por trás de um convite tão sedutor. Emma não queria ser cúmplice dos negócios ilegais do pai.

No entanto, após um breve segundo, veio à tona seu momento de epifania, aquele em que viu com clareza o que podia fazer com a possibilidade que tinha diante de si. Sim, iria a Birmingham. E lá seria dona de seu próprio destino, de sua própria história. Não Emma, a filha do Banqueiro. Mas Emma Moore, sendo quem ela desejasse ser.

Ademais, a datilografia poderia ser para si um refúgio, tal como o piano. Não iria fazer o curso com o intuito de ajudar o pai em suas artimanhas, mas sim porque a escrita, tal como a música, poderia lhe transportar para outros lugares, inimagináveis. A arte tinha esse poder, ela sabia. Assim, depois de sair da sala de reuniões onde conversara com o Sr. Moore, Emma correu até o sótão da casa e tirou de dentro de um baú amadeirado a velha máquina de escrever que pertencera à sua mãe. Antiga, porém intacta. O baú também guardava alguns poemas que a Sra. Moore gostava de datilografar e de recitar à filha quando ia pô-la para dormir.

Era essa máquina que, então, Emma carregava na valise pelas ruas chuvosas de Birmingham, rumo à pensão em que se hospedaria durante o tempo do curso. Quando chegou ao quarto, deitou-se na cama de colchão um tanto desconfortável, absorta nos pensamentos daquilo que lhe esperava no dia seguinte.

No raiar do dia, a moça da valise caramelo pôs-se a caminhar novamente pelas ruas da cidade, desta vez agradecida pelo sol que iluminava cada recanto daquele lugar. Ainda faltavam algumas horas para o curso, e Emma queria aproveitar cada momento para explorar aquele universo novo que se apresentava diante dela. Virando uma esquina, deparou-se com uma placa fina de papel timbrado que convidava instrumentistas a animarem as noites do estabelecimento, The Garrison Pub. Emma ficou fascinada com a possibilidade de poder tocar para um público, não importava que fosse pequeno, e decidiu que, na volta do curso, falaria com o dono do bar.

Ainda faltavam quinze minutos para o início da aula quando Emma chegou à sala. Sentou-se em um lugar perto da janela e retirou a máquina de escrever da maleta, pondo-a sobre a mesa. Logo se aproximou dela uma moça de cabelos pretos e brilhantes, sentando-se no lugar à frente.

- Bom dia, senhores e senhoritas! É um prazer estar com vocês nesta manhã, e espero que possamos compartilhar juntos muitos aprendizados ao longo deste curso. Meu nome é Jonathan Campbell, e eu serei seu professor neste módulo introdutório à datilografia.

Emma não pôde conter seus devaneios enquanto ouvia a voz um tanto rouca, porém doce, do professor. Como um homem tão jovem poderia já estar dando aula? No que teria se formado? E ainda, por que um homem de sua pouca idade estaria se dedicando ao ensino da datilografia, havendo tantas outras possibilidades do que fazer ou mesmo do que ensinar?

Essas perguntas, no entanto, não a impediram de reparar no azul claro dos olhos do rapaz, que transmitiam a calmaria de um mar sem ondas; nem nas mechas de cabelo louro que lhe despencavam sob a testa, revelando sua maneira um tanto desajeitada quando tentava colocá-las para trás. Mas nem a pouca idade, nem a mansidão de seu olhar ou o jeito um pouco desastrado conferiam a ele alguma hesitação. O tom de sua voz e a postura com que falava transmitiam aos que estavam próximos dele uma segurança inquestionável.

A primeira hora do curso transcorreu, e Emma apreciou tudo que aprendera. Nas palavras de Jonathan, datilografar era muito mais do que uma simples técnica, era uma maneira de escrever a sua própria história, a história de outras pessoas e a de personagens inventados, criados, moldados ao bem-querer da imaginação de cada datilógrafo. O tocar da sineta marcava o fim da primeira aula.

- Por favor, você teria uma caneta para me emprestar? Preciso terminar de anotar as últimas orientações do professor, e a tinta da minha acabou - falou a garota de cabelos escuros virando-se para trás - A propósito, me chamo Lizzie, Lizzie Stark.

- Emma Moore, prazer. Tenho apenas uma caneta preta, se não se importar.

- Ah, claro que não. Obrigada! Esse professor Jonathan falou tanto que minha caneta chegou a falhar no meio das anotações. Se bem que, sendo bonito como é, ele pode falar o quanto quiser.

Emma apenas sorriu. Não sabia direito o que pensar. Percebeu na voz de sua colega um tom não adequado para o elogio de um professor. E por esta ética é que talvez não tenha atentado especificamente para tal qualidade do jovem docente. Mas a beleza dos olhos... Esta era inegável.

(Créditos a minha parceira Rafaella Barros, por este capítulo maravilhoso e cheio de pontinhas soltas para serem desenvolvidas nos próximos capítulos.. Obs: seus comentários são muito importantes! Votem, comentem e recebam os novos personagens de braços abertos. Heheh)

Obrigada Rafinha❤️

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