Capítulo 9

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— Sabe, Fynn — comecei a falar, antes que ele simplesmente fechasse a porta. — Eu também tenho uma quedinha por você, ou acidente, não sei, como você preferir chamar — suas bochechas ficaram vermelhas mas não tanto quando seus pais estavam falando na cozinha coisas vergonhosas que ele já fez principalmente na infância. — Eu só queria que soubesse.

— Ok — ele piscou rápido várias vezes e forçou um sorriso. — A gente se vê na escola.

— É, a gente se vê.

Ele fechou a porta e eu fiquei um tempo olhando pra ela antes de dar meia volta e ir embora.

Olhei o sangue escorrer da minha coxa até o chão do banheiro, antes de fazer outro corte próximo dali. Não foi muito profundo, então eu só senti minha pele arder antes de aparecer o sangue.
Coloquei a lâmina do meu lado no chão e voltei a chorar.
Do que adianta ficar um bom tempo sem me cortar ou coisa assim se eu sempre volto? Eu sempre volto pro começo! Talvez eu não seja forte o suficiente, talvez eu já devesse estar morto ou eu simplesmente nem deveria ter nascido. Eu sou um erro em todos os sentidos.
Criei forças para limpar minhas lágrimas e me levantar do chão. Guardei a lâmina de volta no lugar e me certifiquei de novo se a porta estava trancada, e estava. Tirei minhas roupas e entrei de baixo do chuveiro, não para tomar banho, só para ver a água limpando todo o sangue que escorria da minha coxa, já que meus braços não tinham mais espaços para fazer cortes. Eu não queria dizer isso, mas eles estão lotados, não sobrou espaço, desenharam na folha toda.
Desliguei o chuveiro quando o sangue pareceu ceder e coloquei as mesmas roupas. Os novos cortes ainda estavam ardendo e eu me sentia um pouco exposto saindo do banheiro daquele jeito, mesmos estando sozinho em casa.
Meu celular começou a vibrar e eu o desliguei antes que ele tocasse a música Can I Call You Tonight? porque a minha voz, qualquer um perceberia que eu não estava bem depois daquela choradeira no banheiro. E eu nem sei o motivo, porque tudo está bem na minha vida. Eu finalmente tenho alguns amigos e não passo mais o tempo todo no colégio sozinho, tem um garoto bonito que tem uma quedinha por mim e estamos saindo e a minha mãe e minha irmã são a melhor família que eu poderia ter. Então por que? Por quê? Isso não é justo, simplesmente não é, e só faz com que eu me sinta ainda mais inútil.
Meu celular vibrou de novo e eu desliguei mais uma vez. Deitei na minha cama e tentei ignorar o quanto meus novos cortes estavam ardendo.
Meu telefone tocou de novo e eu deixei que tocasse. A música tomou conta dos meus ouvidos e até me lembrei um pouco de quando eu e Fynn estávamos dançando ela no baile. O celular parou e tudo ficou em silêncio outra vez. Então, eu acabei pegando no sono, já que eu tinha chorado muito e isso deixou meus olhos cansados.

Abri meus olhos um tanto devargar e quase pensei que eu ainda estivesse sonhando quando vi Fynn sentado na beirada da minha cama.

— Oi — ele sorriu. — Sua mãe deixou eu entrar.

— Fynn? O que está fazendo aqui?

Dei uma rápida olhada no espelho e tentei arrumar meu cabelo. Sem sucesso.

— Você já olhou seu celular?

Sem questionar, peguei meu telefone e então vi que tinha várias ligações perdidas dele.

— Desculpa não ter atendido — eu digo, mesmo sabendo que ignorei a maioria delas de propósito e só depois dormir. — Eu estava... Você sabe, dormindo.

— É, você tem o sono pesado.

— Tenho sim — forcei uma risada mas parei quando eu vi que ele não estava rindo. — Desculpe mesmo, Fynn. O que era tão importante?

— Não era nada eu só fiquei preocupado — suspirou e eu me perguntei porque ele ficaria tão preocupado por eu não ter atendido algumas ligações. — Você já se perguntou como e quando eu comecei a notar você no colégio?

— Não — engoli em seco. — Como?

Ele suspirou de novo e talvez tenha chegado a minha hora de ficar preocupado.
Deus, eu só queria não ter atendido aquela ligação naquela noite. Eu queria ter puxado o gatilho.
Fynn desviou o seu olhar de mim para o chão e depois de um momento de silêncio constrangedor para mim ele começou a falar:

— Tinha um trabalho bobo de redação pra fazer. O professor queria que a gente escrevesse uma poesia com tema livre e apresentasse para a sala. Você chegou no dia com duas poesias.

Sim, eu lembro desse dia.
O tema era livre então eu acabei desabafando no papel e uma poesia não seria o suficiente. E, como eu acabei levando e lendo duas poesias que o professor adorou, ele me deu um ponto extra. Ou seja, quando eu fui fazer a prova de redação, eu já tinha um ponto garantido.

— Eu adorei eles — Fynn continuou. — E, além disso, eu adorei você, sabe? Você é bonito e a forma como você estava envergonhado lá na frente aquele dia foi tão fofo. Eu queria te beijar, ainda quero.

Acho que eu também quero beija-ló.

— A partir desse dia eu comecei a prestar mais atenção em você — ele dá continuidade. — E eu percebi que tinha algo errado.

— Algo errado?

Engoli em seco mais uma vez e meu olhar também caiu dele para direto ao chão. Mais tarde, fitei minhas próprias pernas de baixo do cobertor. Minhas coxas não estavam mais ardendo mas eu sabia que ainda tinha cortes enormes e vermelhos escondidos ali.

— Você está sempre com essas roupas até mesmo no verão — apontou para o meu moletom preto. — E elas nem combinam com você. Além disso, Você sempre estava sozinho.

— E daí?

— Eu sei que isso não podia significar nada, mas passou a significar quando eu te achei — me encolhi um pouco mais nas cobertas. Aquela conversa já estava me assustando. — Você estava chorando sem parar mas tudo em silêncio e eu cheguei a tempo de ver você enfiando aquela lâmina no seu pulso — ele finalmente me olhou mas eu não o olhei. — Isso foi alguns dias antes de eu te ligar. E eu te liguei porque eu sabia que gostava de você e eu também sabia que você podia tirar a própria vida a qualquer momento. Não queria perder a chance de conhecer você.

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