Multitude, Mulheres.

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no pálido espelho vejo-me em essência lídima,
carrego duas mulheres em meu peito,
a mansa virginal que vive na paz da anomalia
e a mulher, corpórea pátria da luxúria, do sexo, desejo e da selvageria.

vivo por entre as beiras d'um impetuoso delírio, 
por onde não sei se, por desejo me afogarei, ou pelo fogo níveo arrebatada serei...
me pergunto se estas mulheres em mim,
vivem também com ingenuidade, confusão na ponta da língua
se quando se olham no espelho, se perguntam "esta sou eu?" 

creio que meu corpo do empírico abdicou-se, e lentamente derreteu-se numa poça de suavidade e persistente nada...
não reconheço a que olho no espelho;
suas curvas são turvas e trépidas como em locomoção - pintada como aguada.
vejo apenas em seus olhos, negros
como a lactescência d'uma fresca joia perolada,
fantasmas e nebulosas,
de mil vidas vividas,
as custas de um sonho meu, 
da noite assombrada à venusta alvorada,
por onde caminhei nua, e abdiquei de minha pele à pálida desconhecida nauta.

sua visage lúrida, de boca aberta em sorriso volúvel suspirou, "sonho teu?"
"por douradas bandas andei sonhando
com paraíso brando,
por onde dante não o clamou seu.
Se este sonho pertence a ti, 
por que não reconheces o corpo que nomeasses concha-alva?"
"Em onda hialina olhas teu reflexo e o clama não teu,
como pode então, sonhos tão doces, serem apenas teus?"

"em fragmenta-persona sonhos deliberados formados por cada espectro
que compôs o que chamas de mulher,
ou sorrateiramente, mulheres
são de cantos diferentes 
dos extremos gostos da concha que és."

se ser parte da divindade é amar a si,
como amas cada natural viés,
precisaria eu catar cada pedaço de mim
que já fora no solo celeste derramado 
e costurar um corpo manso - brando em cada dobra,
capaz de lidar com as almas que em mim jaz no quente cerne velho?

seria necessário apenas um corpo que me veste bem,
para atingir a divindade?
ou minha alma remendada que pela costura lentamente vaza,
é suficiente para a Inalcançável Abóbada Abençoada?

É possível alcançar esta fé tão deliberadamente encantada e discutida,
de lidimidade adornada,
não sendo tão bela quanto uma fada? 

"Sim" disse eu, com voz calma e delicada.

Tecelã de Sonhos - Poesia D'águaOnde histórias criam vida. Descubra agora