Dezessete

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    A alguns dias me tornei órfão, sem parentes próximos, uma tia, dona e diretora de um internato, me buscou para que eu vivesse com ela.
Tudo parecia normal, até meu corpo ser lançado em uma montanha russa de sentimentos ruins, a felicidade tem estado distante e as almas que conheci aqui, choram sobre o caixão aberto de uma outra alma amiga.
Um pobre alma refém do medo e de segredos, um corpo vazio agora, coberto por lágrimas e prantos.

  Kira sempre se garantiu quando se tratava de dinheiro, mas agora, observando seu rosto pálido em um caixão vermelho, lhe pergunto onde está o seu dinheiro agora.

Meu corpo treme, mas não é pelo frio da manhã que sopra por cima dos túmulos com lápides escritas em sangue, é o medo, e o questionamento: Quem fez isso? E quem será o próximo?

Todos desconfiam de Henrique, seu rosto sombrio e seu olhar frio nos faz desconfiar.
Estamos em cadeiras, brancas e de madeira, ao redor do caixão que está sobre um apoio de ferro, a escola toda está aqui, alguns estão apenas sérios, mas outros se lamentam ao pensar que nunca mais verão rosto alegre e esnobe de Kira, ela está sem sua costumeira gargantilha com um pingente de lua, a polícia diz que esta investigando, mas se foi mesmo Henrique, nunca prenderão o verdadeiro culpado.

Não me contenho e toco o rosto gélido do cadáver, sem que eu perceba, uma de minhas lágrimas respinga na boca do mesmo, provocando um estalo oco que apenas eu posso ouvir.

— Você a conhecia?— Uma mulher, da minha altura, parecida com Kira, se aproxima.

— Sim, a pouco tempo mas éramos amigos, eu sempre soube que deveria ter ido...—

— Ido aonde?— Ela me interrompe sedenta por uma explicação, mas não acho que esse seja o momento adequado para falar sobre a morte de Kira, ainda mais se essa mulher for a mãe de Kira.

— Parece estar dormindo.— Um garoto um pouco mais alto que nós se aproxima do  outro lado, acariciando os cabelos negros do cadáver. Ele tem os olhos puxadinhos, provavelmente é da família de Kira, tem o cabelo um pouco espetado num corte não muito baixo, olhos escuros e um maxilar marcado, meio arredondado. Como a maioria de nós, usa preto.

— Ela está.— Digo me lembrando da morte de meu pai a apenas alguns dias, o ano por aqui mal começou e esse lugar já tem matado pessoas, ou eu tenho matado.
Parece que por onde eu passo, a morte caminha ao meu lado, ceifando as vidas pelas quais eu tenho apego e intimidade.

— Sentem-se!— A diretora exclama deixando sua voz recochetear pelo cemitério, todos se sentam, Lucas está em prantos ao meu lado tentando sem sucesso conter o choro.
Jonathan não está aqui, Isa está na cadeira bem atrás de mim, Erick está em pé, um pouco distante, mas me lança um sorriso amigável em consolo.
O devolvo o sorriso.
Henrique está bem a frente, entre o padre e sua mãe. Ele tem a feição como se desejasse sorrir, isso me causa uma irritação notável.

O padre, diz algumas belas palavras, algumas vinda de seu coração sábio e outras de sua memória sobre a bíblia e a religião. Logo isso chega ao fim, temos alguns minutos antes de os ônibus nos levarem de volta para o internato.

— Quero me despedir.— Lucas diz sério com a voz rouca, ele a conhece a mais tempo que eu, parece ter contido o choro mas é nítido seu luto, ele é o único nesse lugar que não parece estar fingindo.

— Tudo bem, vou te esperar aqui.— Digo em pé com as mãos nos bolsos do casaco preto tentando me aquecer, observo o vapor quente que sai da minha boca flutuando em uma brisa congelante.

— A propósito, encontrou a roupa da sua iniciação?— Lucas pergunta ainda soluçando.

— Ainda não, infelizmente.— Disse. —Tive um sonho estranho essa noite e procurei feito um louco—

— Ah.— Lucas disse por fim, indo se despedir de nossa amiga.

Estou de pé sobre a grama meio seca do cemitério e observo Erick caminhando até mim.

— Vem sempre aqui?— Ele sorri, mas me mantenho sério pelas circunstâncias.

— Não é o momento.— Digo sério.

— Está certo, mas ainda temos que falar sobre ontem, essas coisas não podem ser esquecidas.— Erick me lembra, e eu tremo, minha barriga dói e de repente, Isa já está em minha frente com seu olhar perigoso.

Não temos nos falado desde o incidente com Jonathan, o fatídico beijo.
Jonathan tem tentado falar mais comigo, mas eu tenho o ignorado, fugido dele, não quero estragar seu casamento com Isa.

— Olá— Ela cumprimenta séria.

— Olá— Respondo.

— Pode nos dar licença por favor?— Ela pede a Erick, que revira os olhos.

— É claro— Ele bufa de leve saindo de perto de nós.

— Algum problema?—ergunto com medo de que a resposta seja sim.

— Sim! Jonathan não está feliz com nosso casamento em vista...—

— Quer mesmo falar disso aqui? Agora?— Pergunto a interrompendo.

— Ah! É Verdade. Vamos caminhar.— Ela diz saindo na frente.— Ele não está feliz, ele tem te perseguido a espreita e parece que viu oque aconteceu com você e Erick.—

Eu gelo, ninguém deveria saber.

— Eu não fiz nada de propósito, meu maior desejo é que vocês sejam felizes, não mentirei pra você, pois sim eu gosto muito de Jonathan, mas não quero ficar entre os dois, isso é ridículo, não posso ficar com alguém que não se decide e me persegue pelas sombras, estou tendo esquecê-lo.—

— Eu é que não quero ficar entre os dois, está na cara para todas as pessoas daquele internato que vocês estão um afim do outro, não quero atrapalhar isso.—

— Vocês estão noivos.—

— É um casamento de negócios, nunca terei o coração de Jonathan, mas você, está prestes a conquistá-lo.— Isa sorri, agora já estamos parados.

— Eu não sei oque lhe dizer.— Digo sem jeito e envergonhado por tudo isso, Jona e eu nos beijamos apenas uma vez, e quando estou com ele mesmo tentando afastá-lo, me sinto bem e seguro. Como se fosse certo, mas não é.

— Diga a ele quando voltarmos, não perca mais tempo.—




Me Chame De Vênus Where stories live. Discover now