Capítulo 03: Tartans & Tweeds

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Olá, querida leitora.

Só uma dica: olhe as capas, elas dizem muito sobre os capítulos e ilustram de forma belíssima.

Faça uma ótima leitura!

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No dia seguinte, saí da cama cedo, peguei na cozinha do hotel uma xícara de café e tomei sentada junto à janela da recepção. Me lembrei de Frank, das vezes em que bebi e ele me levou uma xícara de café na cama, se sentando ao meu lado, e também das vezes em que fui largada no quarto junto de minha ressaca. Tomei gelado e amargo o último gole.

O dia foi tranquilo, sem nenhum outro acidente e nenhum outro escocês ruivo para prestar socorro. Eu basicamente visitei castelos e casarões e flutuei na barca pelo lago Ness, sentindo o frio na barriga ao observar a água negra e sem vida. Não era à toa que dali saíram histórias e lendas. Dirigi por estradas sinuosas, acompanhada de paisagens deslumbrantes que me colocaram em transe. O céu estava de um azul preguiçoso e nuvens que pareciam ter sido pintadas à mão pendiam esparsas; nas encostas, tons de verde pulsavam vivos. No mar o degradê de azul se acabava em um negro iluminado pelo movimento das ondas lá, no fundo, onde a vista já não dava conta.

Na volta dirigi pensativa, repassando o cenário na tentativa de criar uma fotografia na minha mente e mantê-la guardada só para mim. Um ato íntimo muito além das fotos arquivadas na memória do celular.

— Talvez seja o ar frio da Escócia. ‒ Falei comigo em voz alta, já deitada para dormir. Pronto! Agora, além de sozinha, eu estava ficando louca. Seria o clima nem sempre amigável que mantinha a natureza tão vibrante e emanando uma energia tão forte e acolhedora, quase como se me chamasse ao encontro dela?

Dormi e sonhei que voava sobre um penhasco, girava o corpo num looping, ora fitando o céu, ora o solo, sentindo paz e uma segurança inquebrável. Acordei cedo decidida a continuar a jornada pelas paisagens fora de Inverness, mas antes de me enfiar novamente nas estradas cheias de curvas, resolvi partir em busca de um café diferente, talvez com creme ou um chocolate quente. E foi na padaria no final da rua, onde me deliciei com uma caneca grande do chocolate quente mais espesso que já tomei, era levemente amargo e estava tão quente que fez meu lábio superior ficar dormente. Fui internamente aquecida e fiquei preguiçosa, mudando os planos para uma exploração gastronômica na cidade ao invés de dirigir o dia todo. Me informei sobre onde saborear comidas típicas escocesas, e já caminhava em direção ao restaurante, quando duas moças passaram por mim entre risadinhas e olhares perversos uma para a outra. Me perguntei se um dia tive uma amiga com quem troquei risos e com quem tive um código de olhares como aquele. Nunca! Passei a vida viajando com tio Lamb, e depois, na faculdade de medicina, as coisas só pioraram. Recusei os convites de festas e reuniões em que poderia ter feito amigos, pois eu queria ser mais que excelente, e o resto tinha de esperar.

Parei de frente à loja onde as garotas sorridentes haviam saído, era um edifício alto, recém-pintado de amarelo. Eu sentia o cheiro da tinta mesmo com a fachada seca. O estabelecimento estava sem placa de nome, o que me intrigou ainda mais.

Pelo vidro via-se o interior, os padrões de lã colorida nos tecidos grossos pendurados, e na vitrine, meias, xales e mantas dobradas, num canto, um manequim masculino com traje completo dos highlanders: kilt, cinto, bolsa, xale, boina. ‒ Uma bela vestimenta. Imponente! ‒ Observei. No outro canto da vitrine, avistei uma luva num padrão de listras vermelho-amarronzado com linhas finas em amarelo-queimado, olhei meus dedos compridos sempre gelados, as unhas levemente azuladas e resolvi que queria um par daquelas luvas. Abri a porta devagar e uma sineta pendurada balançou anunciando minha entrada. Já dentro, me peguei girando enquanto olhava os diversos padrões de cores da lã tecida.

Além do tempo (parte I)Onde histórias criam vida. Descubra agora