Vinte e sete

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28 de março.

— Alô? — Annie atendeu seu celular naquela manhã.

Menos um dia, ou seria mais uma manhã?

— Olá Annie! Que saudades querida!

— Quem está falando? — ela caminhou até a cama de seu quarto e se jogou nela fitando o teto.

— Madame Salomé, oras! Sua eterna professora.

Annie sorriu.

— Salomé! Que saudades. Faz muitos anos desde que eu parei de dançar…

— Liguei para matar a saudade e você me dá esse desgosto? Annie Smor, como ousa me dizer que suas sapatilhas não giram mais? É um absurdo que você tenha parado.

— Eu sei…

— Sabe? Cadê aquele amor pela dança? Pela liberdade? Eu acho que você se esqueceu.

— Venho passando por muitas coisas, Salomé. O balé foi deixado de lado para que eu conseguisse fazer coisas mais importantes…

— Não acredito no que estou ouvindo, que tipo de coisa mais importante é essa?

— Bem... É que…meio que eu…— não sabia contar aquela notícia sem causar grandes estragos. — Eu estou doente, Salomé.

— E essa doença é tão grave que te deixou sem as pernas?

Salomé era difícil, lembrou-se Annie.

— É um câncer e eu não tenho mais cura. Vou morrer…

A linha do outro lado ficou muda por minutos, Annie até mesmo pensou em dizer algo, mas também se daria um tempo se recebesse uma notícia como essa.

— Você acredita que vai morrer?

— Meu médico disse que eu vou morrer.

Novamente um silêncio. Annie virou-se de lado na cama e fitou a janela, imaginou o que Kevin estava fazendo agora, provavelmente estava na garagem com seu projeto de carro.

Ele a disse convicto que ficaria pronto ainda essa semana.

— Annie.

— Oi?

— Esse foi verdadeiramente o motivo de você ter parado de dançar?

Aquela era uma pergunta muito boa e muito difícil para que ela conseguisse responder. A verdade é que desde que descobriu o câncer se sentiu voltar no passado, não queria lembrar da mãe e não queria ter o talento dela.

— Foi o que eu pensei.

— Você não sabe, eu... Salomé, as coisas se tornaram dolorosas.

— Você amava o balé, não por que a sua mãe também amava, você se sentia livre Annie. A dor devia ser só nos seus pés e não no coração…

— Cheguei a conclusão de que quero morrer ao lado de quem amo. — ela falou por fim, aquilo era um desabafo.

— Isso também não significa que você irá morrer feliz. Já parou pra pensar que você sempre quer curar a ferida dos outros? Tem medo de machucar a quem? O que você está fazendo pra se ajudar, Annie?

Deitada ela fechou os olhos, tinha tantas frases soltas em sua mente. Lembrava de Gina e sua proposta, lembrava da mãe de Kevin e das palavras dele sobre ela ter desistido da sua própria vida. E agora Salomé.

Aquela era uma verdade inegável. Annie se importava mais em não machucar os outros do que a si mesma. Só aceitou fazer o tratamento novo para não machucar os sentimentos do pai, só não aceitou ainda a proposta de Gina com medo de machucar a todos.

Quando Annie for Onde as histórias ganham vida. Descobre agora