Boca grande

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Rafaella - POV

O amanhecer da Terra era esplêndido. Eu criei hábito de ver isso todos os dias, desde a primeira vez que estive aqui. Parece pouco, na verdade, quase nada, mas pra mim, é espetacular. As nuvens e os raios de sol transpassando-as, as cores no céu se modificando, isso sempre me fazia refletir. E cá estava eu, sentada na beira de um arranha-céu, observando o horizonte ganhar cores e formas, pensando sobre como tudo é estranhamente bom e esquisito pra mim, na minha vida.

— Você tem que admitir, Rafaella. É bom poder ver isso quando vem aqui. — É, eu costumo falar sozinha.

Aqui de cima, eu vejo bastante coisa, e apesar de ser ainda muito cedo, consigo identificar os semáforos funcionando, ambulâncias, policiais e pessoas perambulando, seja de carro buzinando, ou a pé, com suas mochilas, seus sapatos socias, seus ternos e gravatas borboleta. Ao certo, eu só os vejo como formigas devido a diferença de altura, mas conheço cada traço humano e visualizo cada um. E pensando sobre trabalho, se tem uma coisa que eu gosto no meu, é o fato d'eu nunca ter que carregar absolutamente nada, nem mesmo uma aljava ou flechas. Eu vivia para ver as pessoas felizes, e gostava de fazer isso. Vir para Terra era meu lugar e passatempo favorito, desde o momento que Eros começou a me treinar para ser uma cupido, inclusive, saudades da implicância dele com o fato das minhas asas serem maiores. As minhas são brancas, já as dele, são um caramelo escuro, quase marrom, o que particularmente, eu acho perfeito, mas ele nunca gostou, e sempre reclamou que elas eram desproporcionais pro tamanho do corpo dele.

E na realidade, ainda sobre trabalho. quero deixar claro que nossas asas não significam muita coisa, bom, pra mim sim, eu as amo, mas para a maioria dos cupidos serve somente para ajudar na locomoção, e nada mais, além do fato de que são extremamente graciosas e bonitas, quase todas são pequenas e não passam se articulações a mais num corpo mortal. Eu e Eros não somos mortais, por causa do sangue dos nossos pais, mas todos os outros cupidos são, bem como os humanos da terra. Ainda assim, nós temos regras e enumeras barreiras impostas para que esses dois mundos nunca se colidam.

Talvez eu fosse gostar de morar aqui, isso não há como contestar. Os humanos bebem café, por todos os deuses do Olimpo, essa é a verdadeira bebida dos deuses, não o vinho que sempre tomamos lá. Eles têm sorvetes, tem sanduíches e pizzas a qualquer esquina.
Mas também sei que o ódio e o mau existem, e sei mais do que ninguém, que tanto o amor quanto o ódio são duas coisas extremamente fortes, que podem destruir alguém, dependendo da a maneira que é dada ou recebida. E apesar disso tudo, sempre imaginei como seria ter uma vida mortal e normal, mas nunca tinha parado para pensar que reprimi esse sentimento por tanto tempo. Queria que fosse real, que todos me enxergassem não só quando eu quisesse, mas por inteira. Eu, Rafaella , sou real. Eu respiro, inspiro e expiro, apenas não sinto, mas acredito no amor. E também acredito que algum dia, em algum lugar, terei uma chance pra mim.

Bianca - POV

Acordei com alguns raios de sol em meu rosto, a luz que transpassava pelo vidro da janela ao lado da cama era intensa demais para me deixar dormir. Levanto, olho a hora no celular e ainda é cedo, 7hrs, hoje eu posso chegar mais tarde no museu, meu horário começará as 9. Também vejo que já tem mensagens no grupo do trio. Miguel sempre me fazia rir logo cedo, ele tem aquela cara de bravo, mas na verdade é um amor, um bolinho. Rio lendo suas mensagens e então largo o celular para tomar um banho e, separar minhas roupas com calma logo depois. Nada de blasers hoje. Uma regata bege de tecido fino já era suficiente. Estava calor!  A calça jeans era o essencial, e no pé, um sapato de salto baixinho, nada de exageros.

Reboquei a cara de leve e desci as escadas para ir até a cozinha. Nem iria tomar café, mas lembrei que havia comprado uma ótima cafeteira italiana que preparava um café expresso dos deuses em poucos segundos. A máquina fez meu café e eu o coloquei numa xícara com desenhos de gatinhos, sentei no sofá e esperei Marcela avisar que estava chegando aqui. O que não demorou muito. Fui descendo com meu material e para minha surpresa, encontro a morena no elevador quando as portas se abrem.
— Marcela?? Tudo bem?

— Tudo, Bia, eu só preciso usar seu banheiro, tô muito apertada. Pode descer e ir arrumando suas coisas do carro, já chego lá. Toma as chaves.

— Socorro, corre lá. A chave ta no meu bolso, pega. — Eu me viro de costas e ela as pega no bolso da calça. Eu sigo meu caminho até o carro que está estacionado. — Bom dia, Luís. — Cumprimento o senhor da guarita. Um fofo!

— Bom trabalho, srta. Andrande. Precisa de ajuda com as maletas? — Ele pergunta gentil. — Obrigada, mas hoje só vou levar duas. Até mais tarde! — Aceno e destravo o carro, a fim de arrumar minha bagagem no banco traseiro, e quando o faço... (adivinhem)

— PORRA, Rafaella. — Eu quase morri de susto, que inferno. Ela surgiu como mágica sentada no banco de trás. Ela sempre iria surgir do nada assim? — NÃO DA PRA VOCÊ... — Percebi que estava falando alto demais. Entrei no carro e continuei. —Avisar que está chegando? — Coloquei a mão no meu peito sentindo as batidas frenéticas do meu coração pelo susto.   

— Desculpe, isso é extremamente hilário. Eu nunca vou me cansar. — Ela diz em meio as risadas.

— Você faz de propósito, não é? Ai, Cupido. Odeio você.

— Mentiu. — Eu a conhecia menos de 24hrs e já queria mata-la. Revirei os olhos e quase quis dar um tapa na cara dela. — O que faz aqui? A Marcela não pode ver você comigo.

— Exatamente.

— Como assim?

— Ninguém pode me ver além de você, a não ser que eu queira. E relaxa, eu não to a fim de me apresentar pra ela ainda.

— Ah, então fica quietinha até chegarmos na oficina. — Algumas batidas no vidro fizeram-me roubar a atenção de Rafaella para eles.
— Oh, merda. Desculpa, Marcela, acabei me trancando por dentro. — Ela se acomoda no banco do motorista e eu fico intacta.

— Com quem estava falando? Você vai aí atrás mesmo? — Ela perguntou. E eu nem tinha me dado conta que havia entrado atrás. Sai d'ali e fui para o carona. — Estava falando sozinha. Agora dei pra fazer isso.

— Sozinha uma ova. Fica falando comigo. — Rafaella se intrometeu. Eu juro que queria uma fita pra tapar a boca daquela cupido. Olho para trás disfarçadamente e faço cara de raiva, como uma mãe que olha para o filho birrento, prometendo uma conversa quando chegar em casa.

Brigdes Where stories live. Discover now