Capítulo 4. A primeira crise

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Certa noite fui a igreja, como eu fazia toda semana. Lá, eu tinha amigos e amigas. Me arrumei aquele dia, com o objetivo de me sentir bonita, já que eu estava começando a ter a autoestima muito baixa.   
Tirei uma foto com meu amigo Mike e postei no story do Instagram. Quando Theo viu a foto surtou, a gente brigou, ele não queria que eu postasse foto com "esses meninos que eu ando". Como se o único garoto da minha vida tivesse que ser ele. Acabei precisando pedir desculpas e apagar a foto, se não, não íamos parar de brigar. Eu pensava que era só ciúmes normal de alguém que me amava.   

Coitada da Isa, nem sabia o que era o amor de verdade. Pensava que aquilo que ela estava sentindo era significado de amor da vida dela.   

•••   

Algo me prendia, me travava. Ainda era cedo para eu conseguir ficar beijando todos os dias. Eu só queria ir com calma, no meu tempo. Ele queria pressa, ele queria já.  Ele ia fazendo pressão, a vontade de beijá-lo se tornou algo ruim, algo obrigatório. Algo que não percebi porque estava cega de amor. Mas não o amor verdadeiro, era o que eu achava ser amor.   
Em contrapartida, esse ditado de que o amor cega, só é real quando ele afeta o psicológico de uma maneira negativa de uma das partes.  

Você deve estar pensando, "nossa, mas beijar é tão bom!" Sim, quando acontece naturalmente, quando você dá o seu primeiro beijo e vai dando outros aos poucos. Tem gente que deu o primeiro, já entra pra vida de pegação no dia seguinte. Mas comigo foi diferente, eu não conseguia ir rápido nesse processo. Cada pessoa possui o seu próprio tempo para tudo.   

O beijo não é uma obrigação, ele é uma certa conexão entre duas pessoas, assim como o sexo. As vezes encaixa e se torna maravilhoso com gostinho de quero mais. E outras vezes você não quer repetir. Eu queria sim outra dose daquele beijo, mas não com essa pressão e afobação que ele fazia.   

Estava tão focada no que eu achava sentir que não percebi que Theo estava ficando desleixado com sua aparência. Deixou sua barba crescer, sem nenhuma modelagem e estava ficando, sei lá, feio?
A verdade é que Theo não estava mais atraente aos meus olhos. Mas meus amigos seeempre me diziam que não entendiam o que eu vi nele.
Para mim ele continuava sendo a última bolacha do pacote, só esqueci que essa bolacha sempre vem quebrada.   

•••   

Escuto o barulho da chuva, feliz já que eu amo dias chuvosos e frios. Porém, eu não tinha dormido bem nessa noite. Não sei explicar o que aconteceu, só pensava que no dia seguinte eu tinha que beijar, tinha que conseguir, não podia travar. Aliás, Theo já estava ficando muito triste comigo.   

A realidade é que eu não queria mais beijá-lo. Ele colocava tanta pressão que eu só queria fugir dele.    Mas eu o amava, né? Tinha que conseguir destravar. Theo fez com que o ato de ficar, de se pegar, não fosse algo prazeroso e sim, algo pesado. Nessa manhã, eu olhei minha aliança no dedo, lembrei o quanto o sentimento era intenso e decidi que eu tinha que agradá-lo. Mesmo com isso tendo tirado meu sono.   

Theo era dramático, mas num nível tão absurdo, que ele usava do drama para conseguir me manipular. E eu ficava com pena dele, por "sentir tanto assim" pelos meus lábios e futuramente pelo meu corpo.   

Escuto o barulho do despertador, levanto da minha cama tão aconchegante, para enfrentar mais um dia e preparar meu psicológico para encontrar Theo novamente. 

O almoço fica pronto, strogonoff, o meu prato favorito... Só que eu me encontrava sem fome. Comi mesmo assim, evitando com que eu desfalecesse mais tarde, e fui terminar de me arrumar para ir ao colégio e lidar com as pressões. Quando estava passando maquiagem me olhando no espelho, sinto meu corpo tremer, um mal-estar horrível. Meu estômago embrulha, sinto um calor grande, e perco o ar... uma vontade muito grande de chorar sem parar... meu coração acelerava a cada suspiro que eu dava tentando controlar a respiração. Aquela pressão de ter que ver Theo e de ter que dar conta de beijá-lo mesmo sem querer, custou meu psicológico aos 14 anos.   

Essa foi a minha primeira crise sintomática fisicamente de ansiedade. Fui respirando, me controlando. E entrei no carro para ir à escola. Quando cheguei na porta da lanchonete, aquela sensação ruim vinha novamente. Eu o vejo de longe, e tento apenas não perder o controle da minha respiração, mesmo com o meu coração querendo sair pela boca.   
Sorrio. O abraço. Sento na cadeira do nosso cantinho. Ele só me olhava, querendo forçar o clima. Ele nem perguntou se eu estava bem nesse dia. Só me olhava com cara de piedade escrito: "Isabela, por que não me beija mais uma vez? não vê o quanto sofro com isso?". É, eu via o sofrimento dele, e por isso me sentia péssima. Me sentia tão insuficiente e boba por não conseguir fornecer algo tão simples. O problema é que quanto mais eu sentia, mais travada eu ficava.   

Entrei pro colégio triste, fui no banheiro, me tranquei. Chorei, acabei com a minha maquiagem toda.   

Isso obviamente afetava nosso relacionamento, e não estávamos bem. Brigávamos por vários motivos. E eu me sentia culpada cada vez mais. Eu só pedia para ele esperar um pouco. Mas esperar o quê? Se todo mundo beija na boca e transa.   

Foi aqui que o início do fim começou.

Por nossos filhos - baseado na música de Zé Neto e Cristiano Onde histórias criam vida. Descubra agora