03. Protocolo de Ajuste I

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Bellamy não sabia por que os antigos humanos se davam o trabalho de consumir drogas. Qual era o sentido de injetar alguma porcaria em suas veias se um passeio na floresta tinha o mesmo efeito?
Algo acontecia toda vez que ele cruzava a linha das árvores. Enquanto se afastava do acampamento à luz do sol da manhã, partindo em mais uma expedição de caça, ele começou a respirar fundo.
Seu coração tinha batidas fortes, lentas e constantes, e suas pernas marchavam no ritmo de um pulso no chão. Era como se alguém tivesse invadido seu cérebro e aumentado a intensidade de seus sentidos até uma configuração que Bellamy não sabia que existia.
Mas a melhor parte era o silêncio. A nave nunca ficava completamente silenciosa.

Havia sempre um barulho como ruído de fundo: o chiado dos geradores, o zumbido das luzes, o eco dos passos no corredor. Ele tinha surtado na primeira vez em que entrou na floresta, sem ter nada para afogar seus pensamentos. Mas, quanto mais tempo passava aqui, mais silenciosa sua mente ficava.

Examinou o solo atentamente, seus olhos pulando as pedras e áreas úmidas enquanto buscavam pistas. Não havia pegadas para seguir como no dia anterior, mas algo disse a Bellamy para virar à direita e entrar mais na floresta, onde as árvores ficavam mais grossas e cobriam o chão com sombras estranhas. É para lá que iria se fosse um animal.

Ele esticou o braço para trás a fim de pegar uma das flechas no suporte que tinha construído.
Apesar de ser terrível vê-los morrer, sua mira tinha se aprimorado muito nos últimos dias, então ele sabia que os animais não sofriam muito. Ele nunca se esqueceria da dor e do medo nos olhos do primeiro cervo enquanto ele ia ao chão. Ainda assim, atirar num animal era menos crime do que muitas das besteiras que outros jovens tinham feito para acabar ali.

Embora ele pudesse estar encurtando a vida daquela criatura, Bellamy sabia que ela tinha vivido cada momento daquela vida completamente livre.
Os cem prisioneiros poderiam ter recebido a promessa de liberdade, mas Bellamy sabia que não teria o mesmo privilégio, não depois do que tinha feito ao Chanceler. Se ele ainda estivesse por perto quando a próxima nave pousasse, a primeira pessoa a sair dela provavelmente atiraria nele imediatamente.

Bellamy estava farto de tudo aquilo — das punições, das estações, do sistema. Estava cansado de seguir as regras de outras pessoas. Estava de saco cheio de ter que lutar para sobreviver. Viver na floresta não seria fácil, mas pelo menos ele e Octavia seriam livres.
Abrindo os braços para se equilibrar, ele meio que se arrastou e escorregou por uma ladeira,
fazendo o máximo possível para não fazer nenhum barulho que pudesse afugentar um animal. Chegou ao final com um baque, fazendo lama voar por debaixo de suas botas esfarrapadas. Bellamy se retraiu quando a água entrou pela fresta sobre a sola. Seria desconfortável voltar caminhando com meias molhadas, algo que ele tinha aprendido da maneira mais difícil. Ele não sabia por que aquilo não era mencionado em nenhum dos livros que tinha lido. Qual era o sentido em aprender como construir uma rede com videiras ou quais plantas usar para tratar queimaduras se você não conseguia andar?

Bellamy deixou suas meias sobre um galho para secar, então mergulhou os pés no riacho. Já estava mais quente do que quando ele tinha saído do acampamento, e a água fria causou uma sensação incrível em sua pele. Ele dobrou as pernas de sua calça até os joelhos e continuou entrando na água, sorrindo como um completo idiota enquanto a água envolvia suas panturrilhas. Essa era uma de suas coisas favoritas na Terra: coisas mundanas como lavar os pés repentinamente pareciam tão importantes.
As árvores não eram tão densas perto do riacho, e o sol brilhava com mais intensidade. O rosto e os braços de Bellamy repentinamente pareciam insuportavelmente quentes. Ele tirou a camiseta, a enrolou como uma bola e a arremessou sobre a grama antes de se abaixar para juntar água nas mãos e jogar no rosto. Ele sorriu, ainda estupefato com a revelação de que água podia ter gosto.

Still Us ~ Bellamy BlakeWhere stories live. Discover now