Você sabe que tem esse lar

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Existem duas formas de se unir uma família.
Primeira, comida. Quem não gosta de comer? Normalmente ocorre no natal, alguns casos em feriados cristãos. Mas na maioria das vezes no natal, onde o espírito do bom humor renasce junto da carteira vazia, restando presentes baratos. A tradição da família é sentar numa mesa de madeira, enquanto come um arroz solto com carne de churrasco, tomando uma bebida bem gelada com música ao fundo. 
Nessas horas, aparecem primos e até amigos, só para poder comer e rir um pouco. 

A segunda, são os funerais. 

Quem gosta de funerais? É quase impossível. O clima seco, pesado pairando pelo cômodo. Pensar que o corpo frio de alguém que você conhece está ali, do seu lado, é completamente mórbido.
Principalmente quando esse alguém é seu pai. 

Preso num quartinho cheio de flores e gemidos de choro, Yoongi sentia seus ombros pesarem. Como se não bastasse Taehyung, seu pai também havia o deixado. Definitivamente.
Ouvia o choro de sua madrasta, que mesmo com a maquiagem borrada, parecia ainda mais nova do que aparentava. 
Seu pai havia tido um AVC, e após uma semana, morreu. 

Naquela noite, com o chuveiro na temperatura inverno, onde sentia a ardência da água quente tocar sua nuca de modo agressivo, Yoongi sentia ainda mais frio. 
Provavelmente a noção de ter perdido alguém que lhe criou, alguém que ocupou mesmo que uma parte importante em seu coração; mal havia caído. 
Não conseguia chorar. Seus olhos ardiam enquanto um bolo era formado em sua garganta. Seu estômago doía enquanto sentia suas costas pesar ainda mais, olhou ao redor, vendo poucos conhecidos, todos chorando. 
Sua madrasta bebia um copo de água, a mão sempre tremendo. 

Pela primeira vez sentiu dó dela; 

Seus cabelos negros, que uma vez foram vivos e brilhantes, agora se tornavam apenas um embaraço amarrado numa tentativa de coque. Era abraçada constantemente pelas amigas, que sussurravam palavras em meio às tentativas de acalmar  choro. Ouviu algumas das palavras. 

— Vocês eram tão próximos! Se amavam muito.

A sensação de pena foi preenchida pela culpa.

Sua cama parecia pesada, como se nunca houvesse existido  molas naquele local, ou se todos os travesseiros fossem concreto, cobertos por um fino tecido. Se sentia desconfortável. 

Desconfortável, arrependido,  com saudades. 

A última vez que viu seu pai, deixou com que memórias ruins viessem à tona, ocupando todo o espaço que deveria ser o local da saudade. Se arrependia por deixar com que o trauma afastasse seu pai. 

Que tipo de filho era?

Ajeitou, deitando-se de lado. As mãos sem os costumeiros anéis, estava sem vontade alguma; mal lembrou se havia tomado banho. 
Ouviu seu celular vibrar, ergueu a mão tateando pelo chão até conseguir o encontrar. Com a luminosidade baixa, desbloqueou a tela, notando uma mensagem de algum número desconhecido.

Vó: Oi Yoongi, é sua avó. Saudades, netinho.



Jogou o celular para debaixo dos travesseiros pesados, fechou os olhos. Não era próximo de sua avó, e não era por maldade. Aos poucos, acabou por se afastar da família, com medo de todos pensarem errado sobre si, ou o que aconteceu. Não queria ser julgado, principalmente por aqueles parentes de mau olhado;
Já ouviu uma frase referente: Família é aquela que fica perto de você, é a sua casa.

Agora, Yoongi estava sozinho. Seu pai, que sempre lhe acolheu de braços abertos e café quentinho, não faria mais. Taehyung havia partido também, desejando não ver o pálido nunca mais; e não  queria tocar no assunto da sua mãe. 
Aos poucos, percebeu que estava longe de casa. Fechou os olhos, lembrando da gostosa infância recheada por inocência, onde preferia ficar na sala da casa da sua avó, assistindo desenho animado enquanto seu pai fazia o almoço com sua mãe. Sua avó nunca foi de cozinhar, dizia que suas mãos foram feitas para crochê e que não deveriam ser machucadas com forno e facas.
Seu coração se aqueceu, mas logo voltou a esfriar; voltando a lembrar do quão longe estava de sua avó, a única que restou de sua família. 

Se sentiu péssimo, talvez o pior neto de todos.

Adorava tanto a mais velha, que sempre lhe recebia com um bolo gostoso comprado da padaria, e sempre acertava seus sabores favoritos. Mesmo que a mais velha assistisse sempre filmes de faroeste, — gênero que Yoongi odiava — ele fazia um pequeno esforço.
Pegou seu celular, respondendo.

Yoongi: Sinto saudades, vózinha.



Comprimiu os lábios, a garganta se fechando numa tentativa de não chorar.

Vó: Eu também sinto, Yoongi.



Yoongi: Ando num momento tão difícil, vó. Sinto saudades do meu pai, e sinto que perdi minha própria casa.



Vó: Eu ainda estou aqui, não estou? Seu pai se foi, mas eu continuo sendo a velha avó de sempre, forte como nunca.



Yoongi: Obrigada, vovó.



Vó: Vá atrás de sua casa, Yoongi. Eu não sou a única do seu lado, você tem amigos.



Yoongi: Eu perdi uma pessoa especial recentemente, ela disse que não queria mais me ver.



Vó: Eu te ensinei a desistir assim tão fácil?



Yoongi riu, vendo a mesma voltar a digitar.

Vó: Prenda ele, e não o solte.



Yoongi: Sim, vó.



Vó: E traga ele para cá, eu quero conhecer ele.



Ele. ELE! 

O Min arregalou os olhos, relendo toda a conversa, ponderando se sua avó tivesse errado na hora de digitar, um riso nervoso escapou de seus lábios, vendo que ela realmente tinha dito aquilo.

Sua avó estava certa, sempre soube que os mais velhos carregavam conselhos sábios com o passar do tempo; mas deixava assim tão óbvio? Jogou o celular de lado, perguntando-se o que era o correto:

Ir atrás de Taehyung?

O maior havia deixado claro com uma mensagem de despedida que não o queria mais na vida, e isso o machucou muito, justo quando havia deixado o psicólogo entrar em sua vida de forma tão abrupta e cheia, como se seu coração estivesse aberto todas suas portas a fim de que finalmente aceitasse alguém em sua vida; alguém que aceitasse seus medos, que tivesse ouvidos seus pensamentos e mesmo assim, trocaria palavras de amor. 

Yoongi não poderia deixar Taehyung escapar de sua vida tão fácil sem uma justificativa. Não quando havia se apaixonado tão profundamente pelo maior. 

Sua avó estava certa; ele era sua casa. 

myself; kth + mygWhere stories live. Discover now