Você fala muito "sabe", Yoongi

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A vida de alguém que foi assediado não gira em torno disso, principalmente quando é antigo. A vida segue, se cria uma rotina, como se a pessoa tivesse esquecido tudo que aconteceu, mas ainda permanece lá, como um pesadelo.
Um pesadelo meio apagado, guardado nas profundezas da sua memória, a qualquer momento de explodir e vir a tona. E ao redor desse pesadelo, existem cicatrizes. Medo, pavor daquilo retornar, acontecer de novo, porquê para a vítima, aquela memória é apenas um sonho ruim.

Yoongi era assim, tinha sua vida normal, seus amigos, sua faculdade e emprego.

Mas tinha suas cicatrizes.

Todas as vezes que a porta da floricultura onde trabalha abria, o garoto torcia para que fosse um homem, criança, ou garota da sua idade, qualquer pessoa exceto mulheres mais velhas.

Trinta, quarenta, cinquenta, sessenta, oitenta anos.

E quando a cliente tinha por volta dessa idade, Yoongi apenas abaixava a cabeça, o peito apertado, como se seu cérebro gritasse "Ei! Ela 'tá olhando pra você, espera, ela vai soltar uma cantada sobre sua bunda!"

Confiança era algo difícil de ter. A vizinha senhora da casa ao lado vivia soltando "bom dia", e o Min apenas forçava um sorriso, retribuindo o cumprimento.

Poucos amigos seus sabiam do seu passado, por conta de ser algo raro.
"Essa bobagem de sofrer abuso sexual de mulheres é bobagem, homem de verdade aproveita e come de jeito."

Yoongi só tinha seis anos, o que poderia fazer?  

Confiava em seus amigos, mas talvez eles pudessem continuar sua vida normalmente, sem saber daquilo.

Somente dois sabiam, Namjoon e Jimin.
Namjoon sugeriu um psicólogo; era o melhor para o garoto de cabelos negros, não poderia conviver com aquele medo para sempre.

Por isso, Yoongi agora estava parado em frente à uma porta de vidro. Seus dedos delgados tocavam a campainha.

- Abriu? - A voz rouca do psicólogo soou pela máquina, a porta foi destrancada, Yoongi seguiu em frente.

Havia alguns andares de escada, o Min respirou fundo, o mesmo pensamento se repetindo em sua cabeça: "Eu não sou louco, sou tímido, apenas. Namjoon é exagerado."

Abriu a porta da sala, vendo uma salinha branca, com vários objetos. Um abajur negro ao lado de uma poltrona, quadros pintados em tons quentes e no canto, brinquedos e livros infantis. Sentou no sofá, cruzando as pernas, as mesmas balançaram sem parar, num tique nervoso.

- Yoongi? - A voz grossa soou novamente, um homem alto e de cabelos castanhos entrou na sala, com duas xícaras. O homem sentou na poltrona, colocando as xícaras na mesinha em frente. - Gosta de chocolate quente?

- Gosto... - Respondeu baixo.

- Pode pegar, fiz para você.

O pálido fez o que foi pedido, bebericou um pouco do líquido quente, encarando as pernas do psicólogo.

As coxas grossas trajando uma calça jeans negra, tênis all star; apesar do emprego, o mesmo parecia gostar de coisas relaxadas e confortáveis. Seus olhos subiram, uma camisa branca, seu peitoral era largo, os ombros principalmente, usava um casaco xadrez vermelho. Brega. Parecia um adolescente que tentava seguir a moda tumblr. O pescoço era bonito, e o cabelo um pouco grande, quase um mullet.
Enfim, chegou ao rosto. Os lábios finos num sorriso amigável, as bochechas gordinhas, ele era bem alimentado. Os olhos grandes, cílios grandes.

- Eu me chamo Taehyung.

Na verdade, tudo em Taehyung era grande. Seus ombros, peitoral, pernas. Yoongi era apenas uma libélula perto da borboleta que Taehyung era.

myself; kth + mygWhere stories live. Discover now