Capítulo 19 - narração

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   Cada segundo depois do primeiro é pior do que o outro

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Cada segundo depois do primeiro é pior do que o outro. Nós entramos em seu carro e eu deitei a cabeça no banco, fazendo questão de fechar os olhos para não encarar o olhar preocupado que ela me lançava de dois em dois minutos.

Vê-la junto com os meninos, rindo e bebendo, enquanto eu sou o único que carrega uma mágoa por ela ter ido embora parecia ruim. Isso aqui é muito pior, porque somos só nós dois. Porque ela também parece carregar muitas coisas. Porque ela ainda parece preocupada.

A pequena viagem é uma constante luta comigo mesmo, onde eu repito várias vezes e de várias formas diferentes que ela não teria ido embora se realmente se preocupasse comigo. Mas eu não acredito em nenhuma delas. Tem tantas coisas que poderiam ter sido explicadas. E, mesmo se não houver nada decente que ela possa dizer, eu não deixei de me preocupar com ela enquanto esteve longe - talvez ela também não.

Kiara aponta para o sofá quando entramos em sua casa quase me apresentando o lugar outra vez, como se algo tivesse mudado desde a última vez que estive aqui. Não mudou. Pelo menos a sala continua exatamente a mesma, mas eu posso apostar que ainda conheço cada canto dessa casa.

Apesar de sentir uma vontade quase urgente de ser do contra e ignorar tudo o que ela quer que eu faça, a dor nas costelas parece ainda pior quando estou de pé, então me deito no meio das almofadas vermelhas e espero até que a menina volte. Estar deitado alivia o peso nos pulmões que ainda pareciam me impedir de respirar e eu puxo o ar pela boca, aproveitando a sensação.

Kiara não demora a aparecer na sala. Ela carrega o mesmo kit de primeiros socorros que usava para me ajudar antes, todas as vezes que me encontrava na mesma situação de agora. Então, me estende um saco térmico com gelo e um comprimido branco que eu reconheceria em qualquer lugar. Já o vi muitas vezes na mesa de centro da sala, junto com mais outros vários remédios que meu pai usa para se drogar.

É um calmante, até onde me lembro. Por mais que esteja a encarando com um olhar questionador, estou cansado e com dor demais para perguntar que porra ela está pensando. Acabo só aceitando os dois, posicionando a bolsa gelada em cima da onde dói enquanto encaro a droga antes de tomá-la.

Kiara deve ler a pergunta em minha expressão, porque, enquanto se senta na minha frente e abre a caixa de remédios, diz num tom baixo:

— Vai te fazer sentir melhor.

Resolvo não responder, só assentir com a cabeça enquanto engulo o comprimido a seco mesmo.

Eu quase reviro os olhos sozinho, tamanha a ironia. Se alguém me dissesse, dois meses atrás ou até na semana passada, que eu estaria, outra vez, deitado no sofá da casa dela, esperando ela cuidar de mim como fazia desde mais nova, eu riria na cara da pessoa.

No entanto, Kiara molha o algodão naquele remédio de limpar machucado e se aproxima de mim devagar para o posicionar no corte do meu supercílio. Ela está perto. Até demais. E eu fecho os olhos com força para evitar reparar na pintinha abaixo de seus olhos e na sua bochecha.

Acho que evitar olhá-la foi a minha melhor decisão. E, para melhorar, no tempo em que leva até ela acabar de limpar tudo e passar algum outro remédio que, por estar de olhos fechados, não sei o que é, o comprimido faz efeito e eu começo a sentir os membros mais pesados.

Já estou prestes a cair no sono quando escuto a menina se levantando e desbloqueando o celular. Eu não tenho muita certeza do que estou falando, mas palavras saem da minha boca antes que eu possa controlar:

— Não fala com o John B. Eu me resolvo com ele amanhã.

E então, estou dormindo.

Christmas wishes and Mistletoe kissesWhere stories live. Discover now