PARTE 1 - Capítulo 1

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24 de novembro de 2021

— AAHH! Que sonho foi esse? — suspirei.

Gotas de suor escorriam em meu rosto. Passei a mão na testa e olhei pensativo para o teto. Mais um dia como qualquer outro... E o clima está chuvoso, posso escutar os pingos da chuva do lado de fora.

Então, após alguns minutos, levantei da cama, calcei o chinelo e caminhei até o banheiro. Na volta, liguei o interruptor e sentei numa cadeira do meu quarto... Preciso mudar a minha vida. Isso está um saco! Enquanto eu me perdia nos pensamentos, observei por um momento as coisas ao meu redor: minha cama de casal realmente estava velha, o branco da madeira aos poucos era tomado por uma tonalidade da cor preta. Minha pequena estante de livros era usada, ganhei de uma mulher que eu ajudei quando ela mudou de casa. Eu estava mesmo precisando comprar coisas novas, tudo aqui está velho, era só olhar as paredes; o bege está tão desbotado que parece que a casa nunca foi pintada mais de uma vez.

Talvez mais tarde eu saia para comprar algumas coisas, assim aliviando brevemente essa sensação. Porém, eu não estava muito afim, pois tenho optado por ficar em casa, não só devido à pandemia, mas porque não tenho sentido prazer de ir a muitos lugares, conversar com algumas pessoas se tornou cansativo e tóxico. Até mesmo pelas redes sociais tem sido assim. E pensando nisso, devo ter recebido algumas mensagens.

Então peguei o celular, mas havia uma mensagem estranha:

09:45 - Ele enlouqueceu e...

Eu li a mensagem daquele número desconhecido e fiquei sem entender. Será que era alguma pegadinha? Resolvi não responder e esperar, já que a pessoa estava online.

09:47 - Vem me ajudar, antes que...

Com certeza era engano. Comecei a digitar para responder, mas a pessoa me ligou. Isto só pode ser brincadeira!

— Alô?

— Ele vai me matar! Me ajuda! — sussurrou a mulher do outro lado. — Estou no Parque Linear, na... — Apesar do tom baixo, pude notar a tensão em sua voz.

A ligação caiu ou ela desligou, não sei. Fiquei sem saber como reagir, nem deu tempo de perguntar quem era, mas com certeza deve ter sido algum trote. Então deixei o celular de canto e fui comer alguma coisa, ainda pensando naquilo. Contudo, como uma folha ao vento, me distrai.

Peguei o meu copo com chá e tomei um pouco, reparando em minha pequena cozinha, que também necessitava de uma atualização. O armário estava cheio de furos minúsculos, malditos cupins, mesmo que eu envernizasse aquele marrom esmaecido, ele jamais voltaria a viver. Olhei para a cadeira vazia na outra ponta da mesa de mármore cinza e, neste instante, a solidão aproximou-se e ficou ali comigo.

***

Depois de tomar café da manhã, resolvi sair um pouco no quintal, mas as nuvens escuras ainda preenchiam o céu, enquanto regavam o solo com as dores expressadas em gotas de água. Depois de contemplar o clima por um tempo, voltei para o meu quarto, e como se tivesse sido jogada em minha cabeça, uma dúvida surgiu. Será mesmo que foi um trote? E se por um acaso, não? É melhor eu ir à delegacia por garantia. Então tomei um banho e troquei de roupa rapidamente. Depois fui ao espelho pentear o meu cabelo, a parte mais chata: passei um pouco da pomada modeladora que eu havia comprado recentemente e percebi que o meu cabelo ficou muito mais preto; gostei também do brilho. Eu não era um homem vaidoso, mas gostava do meu cabelo.

Enquanto eu me olhava no espelho, a solidão se fez presente novamente. Era como se eu estivesse incompleto, como se eu estivesse amando, mas não sabia a quem... Talvez estar morando sozinho desde os 19 anos, esteja me deixando carente, e é um pouco ruim, mas hoje com 29 anos, percebo que os benefícios são maiores e um deles é que eu faço as minhas regras, pois morar com outras pessoas pode ser um saco. E com esses pensamentos, não pude deixar de lembrar dos meus pais.

Já no quarto, peguei o meu celular e abri a galeria; procurei uma foto dos meus pais e os admirei. Nossa, faz tempo que eu não os vejo. Esse cabelo preto e ondulado da mãe, seu rosto redondinho e seus olhos cor de avelã. Ah... Suspirei. E o pai. Como será que ele está? Será que finalmente perdeu alguns fios daquele cabelo avermelhado? Nós realmente éramos parecidos; o rosto largo, a boca definida e até algumas linhas de expressão.

Eu sentia falta de ter momentos com eles. Contudo, estar longe as vezes é melhor.


***

Então, depois que a chuva parou, fui à delegacia, mostrei as mensagens e contei o que a mulher falou na ligação. Após os procedimentos me retirei. Espero que descubram, pois eu fiz a minha parte.

Eu estava quase saindo do pátio da delegacia quando...

— Vinícius — alguém me gritou.

Parei e olhei para trás.

— Ah, Carlos — sorri, enquanto ele se aproximava. — Não sabia que estava trabalhando hoje.

— Estou cobrindo um colega que ficou doente. — Ele deu de ombros. — E você, o que você faz aqui?

— Bem... — Olhei para as nuvens escuras que cobriam o azul do céu.

— Vamos a minha sala — Carlos virou e caminhou até a entrada. Ele provavelmente percebeu a minha preocupação com o clima.

Carlos era um antigo amigo e uma das poucas pessoas que eu ainda gostava de conversar. Assim que entrei na sala, avistei um amontoado de papéis numa mesa que parecia pequena com tanta coisa em cima. Carlos retirou alguns envelopes e cadernos dela e colocou sob o gaveteiro ao lado.

— Pode ir falando — disse, se ajeitando em sua cadeira preta. Ela parecia muito mais confortável comparado com a que eu estava.

Então, sem mais delongas, contei o que aconteceu e ele pareceu intrigado. Quem não ficaria?

— Você acha que eles vão investigar mesmo? — perguntei, me ajeitando naquele assento que provavelmente a espuma estava mais velha do que a do meu sofá.

— Sim. E eu vou ver o que posso fazer para garantir isso — Carlos torceu os lábios e passou a mão na barba. Sem dúvida ele estava refletindo, era uma mania antiga dele.

— No que está pensando? Você sabe de alguma coisa? — O encarei desconfiado.

— Eu tive um sonho estranho... — hesitou. - Enfim. É bobagem. — Ele levantou da cadeira. — Vamos? Eu vou almoçar.

— Ok. — Passei a mão no cabelo e levantei. Neste momento, reparei que numa das paredes brancas havia um quadro com algumas fotos de pessoas.

— Que fotos são essas?

— Isso? São retratos falados de possíveis criminosos — Carlos respondeu, após abrir a porta.

Saímos da delegacia e quando pisamos na rua, um dos funcionários gritou:

— Ei! Carlos.

— Espera aí — ele pediu, antes de correr de volta.

— Eu vou indo — elevei o tom de voz. — Depois nos falamos. — Acenei me despedindo e quando virei, esbarrei em uma mulher.

— Cuidado! — ela esbravejou, após um envelope cair de suas mãos.

— Ah! Desculpa. — Nos encaramos por um instante, antes de eu baixar para pegar o envelope. — Eu estava distraído — falei sem jeito, quando levantei e reparei em seus olhos azuis.

— Sem problema. — Ela respirou fundo. — Eu peço desculpa também — disse, ao passar a mão na lateral da cabeça. Neste momento, notei que seu cabelo ia até a cintura; o loiro combinava com a tonalidade de sua pele clara.

— Aqui. — Entreguei o envelope.

Eu não sabia mais o que dizer, estava envergonhado, porém em situações como esta, não há muito que falar.

— Obrigada — sorriu e seguiu o seu caminho. Parecia preocupada, mas claro, dificilmente alguém que vem a delegacia não está.

Laço Entre Almas: A chamada que nos uniuOnde histórias criam vida. Descubra agora