Capítulo 3

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27 de novembro de 2021

Hoje o dia estava mais agradável do que os últimos; o sol apareceu, o ar estava fresco e eu me sentia melhor comigo mesmo. Dias e dias, né?

Eu saí para comprar algumas coisas e no caminho, por diversas vezes, via um casal. Será que vou continuar solteiro por muito tempo? Eu fico me questionando a respeito, mas também acredito que não devo fazer disso um peso, já bastam as outras coisas da vida. Enquanto eu caminhava com as minhas compras, após sair do mercado On-li, uma das sacolas rasgou e caiu no chão... Merda! Murmurei em pensamento. Com essas pessoas passando numa calçada tão curta, vai ficar complicado parar aqui.

— Quer ajuda?

Escutei uma voz feminina atrás de mim e quando me virei, reconheci aquela fisionomia no mesmo instante.

— Oi — sorri. — Não precisa, obrigado — falei, colocando as sacolas no chão para pegar a outra. — Olha. Me desculpa por aquele dia na frente da delegacia, eu realmente não te vi.

— Sem problema. Eu estava distraída também — ela falou gentilmente. Parecia mais tranquila desta vez. — Você realmente não se lembra de mim, né? — Neste instante, algumas pessoas passaram entre nós.

— A gente se esbarrou na delegacia, certo? — Dei um passo para o lado, abrindo espaço para que mais pessoas passassem, enquanto faziam caras e bocas.

— Sim — ela riu. — Mas nós estudamos juntos na época de escola. Sou a Gabriela, lembra?

Ao ouvir aquilo, automaticamente direcionei meus olhos ao pulso dela.

— Aah! — sorri admirado, após reconhecer aquele relógio preto das bordas douradas e com as iniciais R&J. — Agora me lembro. O pessoal tinha o costume de falar que a gente iria cas... — ao pronunciar aquelas palavras o meu coração acelerou, e pude perceber que ela ficou sem jeito quando o seu rosto corou. Falei bobagem!

— Isso. — Gabriela desviou o olhar e colocou a mão sobre o relógio. — Eu percebi que era você só depois que entrei na delegacia. Fico contente por nos encontramos de novo — sorriu.

Sem saber o que dizer, sorri de volta. E logo em seguida, um homem com o penteado estranho se aproximou.

— O que foi amor? — perguntou a ela e me encarou.

— Nada. Acabei encontrando um amigo de escola e ofereci ajuda. — A expressão dela mudou totalmente, pareceu ficar desconfortável.

— Tudo bem? — ele estendeu a mão.

— Tudo. — Ao cumprimentá-lo, tive a sensação de que ele não gostou de mim; pelo seu olhar e, principalmente, o aperto de mão que quase quebrou os meus dedos.

— Vamos então. — Ele envolveu Gabriela em seu braço.

— Tchau — ela se despediu sem nem me olhar direito.

Engraçado, estou sentido algo diferente, parece bom e ao mesmo tempo triste, mas minha vida tem estado tão sem sal que nem sei discernir isso. Existe algum propósito em eu ter reencontrado ela? Bobagem! Já estou querendo dar significado a uma coisa que não tem.

— Ei! Sai da frente! — Uma senhora esbarrou em mim ao passar. Ela estava com bastante pressa, mas isso não justifica a falta de educação, no entanto, eu não deveria estar na passagem. Não é fácil ser eu, até os pensamentos me atrapalham.

Então, consegui amarrar a alça da sacola rasgada nas outras e as peguei com cuidado, antes de voltar a andar. No caminho até o terminal de ônibus, vi na vitrine de uma loja um desses relógios digitais de pulso; entrei e resolvi comprar dois. Quando enfim eu saí, notei pessoas aglomeradas; com certeza aconteceu algum acidente; conferi se as sacolas estavam firmes e caminhei até o tumulto. Ao me aproximar, avistei uma senhora sentada no chão e duas pessoas sobre os calcanhares conversando com ela.

— O que aconteceu? — perguntei a uma mulher ao lado, quando observei que um rapaz colocava alguns pertences numa das sacolas ao lado da idosa.

— Um carro quase a atropelou quando ela atravessava a rua. — Eu escutava o que a mulher dizia, enquanto olhava para a velhinha assustada. — Se ela tivesse atravessado um pouco antes, acho que não estaria viva. Mas as coisas acontecem como tem que acontecer, não era o destino dela.

Quando eu ouvi aquelas palavras, me lembrei daquela senhora no chão... Foi ela quem esbarrou em mim há pouco tempo. Então virei o rosto para a mulher ao meu lado, mas ela me encarou incomodada; eu não havia reparado antes, porém, sem dúvida esta não era a mesma que estava falando comigo.

***

Eu segui pensativo para o terminal de ônibus. Teríamos uma hora certa para morrer? É como se o destino tivesse preparado toda aquela situação para que ela permanecesse com vida. Enquanto minha mente trabalhava nas perguntas e respostas, encostei a cabeça na janela do ônibus e acabei cochilando, quando acordei já estava perto de casa; um alívio não ter passado do ponto. Então, assim que cheguei em casa, fui tomar banho.

Eu não estava acreditando que a Gabriela ainda usava o relógio que dei a ela. Eu gostava tanto dela que quis presenteá-la com algo de muito valor para mim... Espero que o senhor entenda, avozinho. Enquanto a água caia sobre o meu corpo, eu viajava pelo passado; aquela foi uma época muito boa, apesar de sermos apenas adolescentes, tivemos bons momentos juntos, momentos que carrego comigo até o dia de hoje. E parece que ela também.

Laço Entre Almas: A chamada que nos uniuWhere stories live. Discover now