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Quando cheguei à porta do seu escritório, bati suavemente e em questão de segundos, ele mandou-me entrar.

A primeira coisa que reparei foi na mobília em tons de negro e cinzento que compunha aquele lugar. Não estava admirada com a sua escolha, mas ainda assim esperava algo com mais vida.

"Senta-te." Não hesitei em obedecer.

"Sabes quantas pessoas concorreram para esta vaga?" Estava na dúvida se isto se tratava de uma pergunta retórica, ou se ele esperava mesmo que eu respondesse.

"Recebemos trezentas e cinquenta candidaturas." Ainda era mais do que eu pensei.

"Eu sei que não tive a melhor atitude ontem e peço desculpa." Antes que pudesse continuar fui interrompida.

"Os teus olhos estão inchados e estás com as pupilas mais dilatadas que o normal, achas que eu não iria reparar no teu estado deplorável?" Eu não sabia como é que ele tinha tido tempo sequer para me avaliar desta forma minuciosa, mas sinceramente não estava muito interessada em saber.

"Da próxima vez que decidires beber, pensa nas tuas responsabilidades. Este trabalho não é uma brincadeira, estamos a lidar com a vida de pessoas e se não compareces neste hospital a cem por cento, nem vale a pena cá estares."

"Eu consegui cumprir com o que me foi pedido, posso não estar-" Mais uma vez fui cortada.

"A questão não é essa. Imagina que terias que participar numa operação, sabes quantos fatores externos são suficientes para cometer um simples erro?"

"Não vai voltar a acontecer." Disse, tentando controlar o meu tom de voz de modo a não demonstrar fraqueza.

"A partir de hoje vais fazer horas extra, portanto em vez das oito estipuladas, passarás a doze. Estas quatro horas a mais não serão remuneradas." Parecia que os meus ouvidos tinham absorvido a informação, mas o meu cérebro não tinha processado o que acabara de ouvir.

Doze horas significava dizer adeus à minha vida pessoal. Não era como se tivesse muito para fazer fora do horário laboral, mas ainda assim seria um grande desgaste e honestamente não sei se estaria capaz quer fisicamente, quer mentalmente.

Para acrescer à desgraça ainda não seria paga pelo trabalho que estaria a fazer, não sei se tinha vontade de gritar ou de chorar.

"É sequer legal trabalhar horas extra sem ser remunerada?"

"Se quiseres manter o teu estágio aqui, sim. Mas se estiveres descontente com os termos, podes desistir ainda hoje, tenho a certeza que candidatos para a vaga não faltam." Eu sabia que ele iria fazer de tudo para me castigar, mas recusava mostrar a parte fraca.

"E durante quanto tempo estarei neste regime de doze horas?"

"Até achar que devas parar." Foi a resposta mais curta e seca que alguma vez recebi, mas eu era inteligente o suficiente para não retrucar, por isso limitei-me a assentir e após ter sido dispensada voltei para o refeitório.

"Está tudo bem?" Perguntou a Rachel, quando me sentei.

"Sim, não te preocupes." Sinceramente não tinha vontade de entrar em detalhes e ter que explicar que de agora em diante ia passar mais quatro horas enfiada neste hospital, porque não me soube controlar ontem.

Era meia noite quando o turno acabou oficialmente para a minha equipa, já eu estava condenada e de modo a evitar perguntas, tranquei-me na casa de banho até que toda a gente tivesse saído.

Ainda nos vestuários, liguei à Avery para a informar que hoje infelizmente não ia conseguir estar com ela como tinhamos planeado.

Ia passar a madrugada no piso seis a ajudar as enfermeiras naquilo que fosse necessário e sinceramente não foi assim tão mau como pensei. Para melhorar, não tive que interagir mais com ele.

Estavamos a distribuir a ceia a cada um dos pacientes e quando cheguei ao quarto 339, soube logo de quem se tratava.

"Boa noite, quer um chá, leite ou alguma coisa para comer?" Perguntei assim que o Thomas olhou para mim com o seu humilde sorriso.

"Honestamente só quero companhia, achas que me podes ajudar nisso?"

"Tenho a certeza que posso tirar uns dez minutos para ficar aqui consigo." Respondi, aproximando-me da sua cama.

"Hospitais são lugares tão solitários e eu passo oitenta por cento do meu tempo aqui enfiado." O meu coração apertou pela dor que a sua voz carregava.

"Espero que melhore rapidamente e possa finalmente desfrutar da sua vida, ninguém merece estar enfiado entre quatro paredes um dia inteiro."

"Não me importava de aqui estar se o meu sobrinho me desse o minímo de atenção, mas aquele homem vive com o peso do mundo em cima e nem para ele tem tempo."

"Que idade tem o seu sobrinho?"

"Tem trinta e dois mas leva uma vida tão aborrecida que bem que podia ter cinquenta."

"O aborrecido é relativo, eu por exemplo tenho vinte e três mas passo mais tempo a ler que a conviver socialmente."

"Tu ainda tens uma fonte de entertenimento fora do trabalho, agora o Logan passa a vida neste hospital como se disto a sua vida dependesse."

"Logan? O doutor Collins?" Perguntei pasmada.

"O próprio." Respondeu uma voz atrás de mim e eu nem me precisava de virar para saber a quem pertencia.

"Posso saber o que estás aqui a fazer a dar conversa a um paciente, em vez de estares a ajudar as enfermeiras como te foi instruído?"

"Um paciente... Magoas-me, Logan." Respondeu o seu tio antes que pudesse dizer o que quer que fosse.

"Antes que a culpabilizes, eu é que pedi à Sophia para me fazer companhia já que tu não te dignas." O doutor apenas apertou o seu maxilar em resposta e eu já só pensava nas restantes formas criativas que ele iria arranjar para me punir.

"Os meus internos não são pagos para te estarem a entreter, tio."

"Pagos é a palavra chave." Antes que pudesse evitar, as palavras saíram-me da boca e automaticamente repreendi-me mentalmente.

"Eu já te disse que se tiveres problemas com as horas extra não remuneradas a porta está aberta." O seu tom dizia-me que dentro de instantes iríamos voltar a ter uma conversa pouco amigável.

"Estás a metê-la a trabalhar sem ser paga? Tu tens coração?" Perguntou o Thomas e não pude evitar de rir.

"Tio, isto são assuntos que não te dizem respeito. Agora descansa que amanhã de manhã tens uma operação." Dito isto, ele saiu do quarto e nem foi preciso dizer nada para eu saber que o devia seguir.

"Boa noite." Disse com um sorriso, mas sentido novamente um nó no estômago.

"Eu se fosse a ti começava a pensar bem na escolha de palavras cada vez que te diriges a mim." Atirou o doutor assim que cruzei a esquina que conectava o corredor de quartos com a receção do piso.

"Eu estava só-"

"Não quero saber qual foi a merda do teu objetivo com aquele comentário, mas garanto-te que se voltas a pisar a linha estás fora deste hospital. Não testes a minha bondade, Sophia." Odiava a forma como o meu nome soava nos seus lábios, odiava ainda mais o tom que utilizava sempre que falava comigo.

Era incapaz de formular uma frase coerente e após um longo tempo de nada mais que uma intensa troca de olhares, ele afastou-se e deixou-me plantada naquele corredor.

Cirurgião CollinsWhere stories live. Discover now