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"Não são necessárias formalidades fora do hospital, Sophia." Eu não o iria voltar a tratar pelo seu nome se era isso que ele estava a sugerir.

"O que estás aqui a fazer?"

"Trouxe-te um par de muletas e uma pomada para usares de oito em oito horas."

"Porque é que te incomodas-te a vir sequer?"

"Já te expliquei."

"E eu não acredito que aqui estejas simplesmente porque sou tua interna e te sentes responsável." Obviamente não obti resposta e em vez disso, ele simplesmente afastou-me suavemente e entou no meu apartamento.

"Eu não disse que podias entrar."

"Não me digas que a única coisa que comeste hoje foi a merda deste gelado de caramelo." Disse ele mirando a embalagem em cima da minha mesa de centro.

"Comi um iogurte de manhã." Ele não tinha nada a ver com a quantidade de refeições que eu fazia ou deixava de fazer, mas ainda assim fui burra o suficiente para responder honestamente.

"Será que não tens um pingo de amor próprio?"

"Considerando o meu peso, acho que tenho todos os motivos para cortar certas refeições, aliás este gelado em si é uma bomba calórica, nem o devia estar a consumir." Não sabia bem o porquê de ter dito o que disse, mas sinceramente nem me importava de revelar uma das muitas inseguranças que tinha com o meu corpo.

"Já olhaste bem para ti?" Perguntou ele e não sei se foi impressão minha mas consegui sentir um pingo de raiva.

"Todos os dias doutor e a cada vez pergunto-me que mal fiz eu a deus para nascer neste corpo." Eu precisava seriamente de me calar.

"Não sejas ridícula, julgava-te mais inteligente que isso."

"Gorda e burra, que junção perfeita." Disse ironicamente e esperava que ele se risse, mas em vez disso ele fixou-me com um olhar mortífero.

"Sophia tu de gorda não tens nada, não sei quem te fez sentir dessa forma mas tira essa ideia da cabeça e não o voltes a repetir na minha presença."

"Eu sei que és meu supervisor, mas não precisas de estar aqui a ser simpático só para eu não me sentir mal comigo mesma."

"Uma coisa que precisas de aprender sobre mim é que eu não sou outra coisa sem ser honesto, por isso quando te digo que tens um corpo que muitas matariam para ter é bom que acredites em cada palavra." Sentia os seus olhos cravados nas minhas pernas expostas e naquele momento tudo o que queria era esconder-me.

Era incapaz de responder e acho que ele sentiu o meu desconforto porque no minuto a seguir deu meia volta e entrou na minha cozinha.

"O que pensas que estás a fazer?" Perguntei seguindo-o.

"Vou fazer o jantar e de preferência algo comestível."

"Eu não te pedi nada."

"E eu não vou deixar que te alimentes de gelado."

"Qual é o teu problema?" Eu sinceramente estava cansada de tentar decifrar este homem.

"E o teu qual é?"

"Pára de me responder com perguntas." A este ponto já estava enervada.

"Senta-te, estás a esforçar o teu tornozelo sem necessidade nenhuma." A vontade que eu tinha de ceder e sentar-me era enorme, mas o meu orgulho não me permitia.

Sem lhe ter dito nada, ele conseguiu reunir todos os ingredientes necessários para confecionar o que tinha mente. Estava cansada demais para continuar a lutar com ele, por isso sentei-me enquanto o observava a cozinhar.

Ele era tão experiente na cozinha como numa sala de operações e irritava-me o quanto o meu fascínio por este homem aumentava. Não havia ninguém capaz de esgotar a minha paciência até à última gota e por estranho que pareça, acho que era mesmo isso que me atraía nele.

"O que estás a cozinhar?" Perguntei depois de um longo período de silêncio.

"Quando comeres descobres."

"És sempre tão insuportável?"

"Eu não chamaria insuportável a alguém que me estivesse a cozinhar a única refeição decente do dia." Revirei os olhos e decidi parar de tentar ter uma conversa normal com ele.

"Onde é que aprendeste a cozinhar assim?" Perguntava enquanto levava a primeira garfada de massa à carbonara à boca.

"Essa é a tua forma de me dizer que cozinho bem?" Custava admitir, mas esta é possivelmente a melhor carbonara que já tinha comido a seguir à da minha mãe claro.

"Tu não sabes responder a uma pergunta como uma pessoa normal pois não?"

"Ser normal nunca foi o meu forte, mas respondendo à tua pergunta, eu comecei a viver sozinho aos dezoito anos por isso tive que aprender muito rapidamente a desenrascar-me." A vontade que tinha para lhe fazer mais perguntas era enorme, mas algo me dizia que ele não se iria abrir mais que isto por hoje.

"Está muito bom, obrigada." Disse finalmente e não pude deixar de reparar no pequeno sorriso que ele esboçou.

"Game of thrones?" Perguntou ele no minuto a seguir quando olhou para a minha televisão que ainda estava ligada.

"A melhor série alguma vez feita."

"Ainda que nunca tinha visto, vou ter que discordar contigo. A melhor série existente é suits."

"Claro que tinhas que ser fã de uma série aborrecida de advogados."

"Não julgues uma série que nunca viste."

"E que tal fazermos o seguinte, tu vês a primeira temporada de game of thrones e eu dou uma oportunidade a suits."

"Parece-me justo, mas não te prometo que vá gostar por isso não te enchas de expectativa."

"Quando estiveres viciado, não digas que não te avisei."

"Digo-te o mesmo." Respondeu ele com um sorriso desafiador.

Era estranho o quão confortável eu estava a falar com ele quando apenas o conhecia há pouco mais que uma semana. Eu não era capaz de manter uma conversa com alguém por mais de dez minutos, sem ser com a Avery, então o facto de estar aqui a debater séries com o meu supervisor era algo que nem noutra realidade paralela seria provável de acontecer.

"Como está o teu tio?" Perguntei mudando de assunto.

"A operação correu bem, agora só precisa de repouso absoluto."

"Ele parece uma pessoa incrível."

"E também parece gostar mais de ti que do próprio sobrinho, hoje antes da operação perguntou onde estavas." Não pude evitar de sorrir.

"Eu ao contrário de ti sou uma pessoa agradável."

"Eu literalmente estou a tomar conta de ti e tens a coragem de me chamar desagradável?"

"Porque é que estás aqui, Logan?" Perguntei novamente e desta vez não me contive e tratei-o pelo primeiro nome.

O olhar que ele me lançou foi o suficiente para arrancar todo o ar que habitava nos meus pulmões.

Cirurgião CollinsOnde as histórias ganham vida. Descobre agora