Capítulo 2

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Anastácia Stelle

Puta merda, que moto era aquela?
O tanque largo e imponente me fazia parecer uma formiga
pequenininha pilotando, o motor rugia a cada vez que acelerava.
Nem saberia dizer para que serviriam todos aqueles botões no
painel digital. Até a manete de aceleração era diferente. Com toda
certeza se tratava de um veículo muito caro e aquele homem não
devia estar nada feliz com meu breve empréstimo.
Ele nunca entenderia. Ninguém entende!
Virei uma das avenidas principais e segui para meu destino.
Acelerando um pouco mais quando entrei na orla da North Avenue
Beach. A praia que Magnólia tanto adorava. Pisquei várias vezes, a
adrenalina expulsando qualquer vestígio de álcool que ainda
estivesse em meu sangue.
Estava tão feliz que não conseguia me sentir arrependida por
ter deixado minha amiga na boate à espera do pai, que por sinal era
um homem estranho e que me causava arrepios. Ligaria para Carla
depois explicando tudo, afinal, foi ela quem em ajudou a conseguir
um tempinho fora. Escapar dos meus guarda-costas naquele dia foi
a missão mais difícil que já enfrentei na vida, mas agora, com o
vento e a brisa do mar subindo quentes e tocando meu rosto sob o
capacete preto que exalava um cheiro delicioso de almíscar, vi que
valeu a pena.
Estacionei ao lado de algumas outras motos e ganhei a
atenção de dois homens que estavam conversando próximo a uma
delas.
— Moto maneira! — um ruivo, de ombros largos, falou alegre
e abriu um sorriso cheio de dentes.

Desci da moto e tirei o capacete. Meus cabelos, que já
estavam meio grudados pelo suor, embolaram e precisei passar o
dedo entre eles para desembaraçar os fios.
— Maneiro é uma gata dessas pilotando uma Spirit. — Seu
amigo completou. Diferente do ruivo, ele não sorriu, só me encarou
de um jeito tão intenso que acabei erguendo as sobrancelhas.
Olhei meu reflexo no retrovisor de outra moto que estava
parada bem ao meu lado. A maquiagem escura dos olhos borrou
grande parte do meu rosto, meus cabelos, que eu já suspeitava
estarem desorganizados, pareciam um amontoado amarelo de fios,
e para piorar, meu batom vermelho se transformou em uma tinta
espalhada pela minha boca, como um palhaço de circo. E ah, ainda
por cima estava descalça.
— Você precisa consultar um oftalmologista com urgência,
seu caso é grave. — Virei-me para o rapaz que ainda me encarava
e dei as costas sem dar ouvidos ao que ele tinha sussurrado como
resposta.
Caminhei pela orla, observando a areia coral se perder de
vista e encontrar o grande e infinito mar azul escuro, sob o céu
estrelado que reluzia o fim do outono. Como se um manto cobrisse
todo o horizonte, em uma tela que mais parecia obra de um pintor.
Continuei andando até que meus pés tocaram a areia fria.
Senti os grãos passando entre meus dedos e fechei os olhos, com a
sensação misturada à brisa fina que me abatia.
Quando foi a última vez que coloquei os olhos em uma praia?
Não conseguia me lembrar.
Na verdade, mal lembrava quando foi que tive a oportunidade
de sair sozinha na vida. Acho que a única vez foi a que aprendi a
pilotar, caí, me machuquei e nunca mais pude ganhar alguns
minutos à sós de novo. Os homens de preto sempre estavam lá.
Mas hoje seria diferente.
Levei a mão à boca, lembrando-me do breve beijo que dei
naquele desconhecido. Aquele homem parecia ter saído de um
filme. Os traços do rosto eram firmes, a barba marcante ao redor do
maxilar acentuava o queixo quadrado, como o de um príncipe. O vi
de longe, quando ainda estava dançando com minha amiga Carla

no bar. Os cabelos escuros, levemente caídos na testa davam a ele
um ar de mistério, daqueles que a gente perdia a alma tentando
desvendar.
Quando vi os meus guarda-costas chegando na boate e
tentei fugir pelo estacionamento, jamais imaginei encontrá-lo ali,
com a chave de algum veículo bem na mão. Pensei rápido e roubei
a chave, assim como sua moto.
Ele ia me matar, ah, com certeza... Sorri, lembrando-me do
seu olhar no meu. Nunca tinha visto algo tão diferente e tão belo.
Era como olhar diretamente para um lobo. Um dos seus olhos era
de um azul profundo, límpido e brilhante, enquanto o outro, era
tomado por um tom escuro intenso. A combinação das duas cores e
do olhar lascivo com o qual ele me encarou me fez desejar ser
beijada por ele a qualquer custo.
Desci os dedos pelos lábios, agarrando-me a breve
lembrança que ainda me restava. Um beijo rápido demais... Fechei
os olhos, como sempre, imaginando como seria passar daquele
ponto. Como seria ir além de um beijo?
Olhei para o céu onde incontáveis pontinhos brilhantes me
davam boa noite e comecei a pensar nela... Magnólia sabia o que
era passar de um beijo. Ela tinha um namorado que nos visitava vez
ou outra e eu nem sabia como ela conseguiu “dar mais que um
beijo” no rapaz, já que vivíamos cercadas. Mas, seja lá como, e
ainda que continuasse virgem, ela ao menos conseguiu dar uns
amassos nele. Eles estavam completamente apaixonados um pelo
outro, mas depois que ela se foi, eu nunca mais o vi. Torci para que
ao menos ele tenha ido visitá-la no cemitério mais vezes do que eu
mesma pude ir.
— Sabe que se dependesse de mim, eu iria visitá-la toda
semana, não sabe? — falei para o nada, como costumava fazer nos
últimos anos.
A solidão era um dos piores castigos que alguém podia impor
a outra pessoa, ainda que por amor, ainda que por proteção.
Magnólia e eu costumávamos ir às compras, cinemas, reuniões com
as amigas, tudo na companhia dos nossos guarda-costas. Não
éramos privadas de sair, mas não o fazíamos com a frequência que

SOB A Proteção do Lobo Where stories live. Discover now