Capítulo 3

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Lobo

Desgraçada, ordinária, dissimulada do cão!
Ainda estava puto quando estacionei minha moto na garagem
do prédio onde morava. Um lugar luxuoso e exclusivo, onde eu
raramente via a cara de algum dos vizinhos, o que me agradava e muito.
Tirei o capacete e desci da moto observando-a por um
momento. Meu peito subia e descia na medida que eu tentava
controlar a raiva que aquela... aquela mulher sem vergonha, de
dedos leves me fez passar.
Havia poucas coisas intocáveis para mim no mundo e com
certeza minha Spirit era uma delas. Passei a mão pelo tanque largo
e preto como um carvão, brilhante como uma estrela no céu. Na
ponta do tanque, fugindo do tom escurecido, havia um pequeno
sinal em V na cor vermelha, representando a marca que era
exclusiva e uma das mais caras do mundo. Uma aquisição que eu
batalhei pra caralho para conquistar, e aquela safada...
Passei as mãos nos olhos e me inclinei em direção à moto.
Observei cada detalhe para garantir que ela não tinha ganhado
nenhum arranhão naquela pequena aventura e só consegui respirar
direito quando percebi que ela ainda continuava intacta.
O que dizia muito sobre as capacidades de pilotar daquela
mulher. Não era qualquer pessoa que tinha facilidade em dominar
uma máquina como essa. Só o rugido reverberante do motor
costumava assustar...
— Para o inferno, como ela teve coragem? — praguejei alto e
completamente sozinho no estacionamento. Ainda não sabia se
estava mais nervoso, perplexo ou surpreso pela coragem daquela
maluca de roubar um homem como eu.

De certa forma sua coragem chegava a me causar fascínio. A garota tinha o pensamento rápido, as mãos ágeis como um batedor
de carteiras e para piorar, era linda como uma modelo de capa de
revista. E a maldita com toda certeza sabia usar aquilo a seu favor,
o que me deixou novamente irritado. Como eu pude cair num golpe
idiota como aquele?
Entrei no salão do prédio batendo as mãos nos cabelos, na
tentativa de tirar o resto dos grãos de areia que ela atirou em mim.
— Boa noite, senhor Grey ! — Lucian, o porteiro
responsável pelo turno da noite, me cumprimentou e não me passou
despercebido o olhar confuso que me lançou quando notou que eu
estava quase arrancando meus cabelos com as mãos, de tanta raiva.
— Boa noite — resmunguei a contragosto e continuei minha
luta contra os grãos de areia, enquanto esperava o elevador.
Subi os 16 andares e saí da caixa metálica quando as portas
se abriram, entrando no corredor do prédio que levava até à
cobertura. Uma sequência de luzes começou a acender à medida
que eu caminhava sob o piso lustroso e brilhante. Parei diante da
última porta do corredor, de madeira escura, quase preta como todo
o ambiente por trás dela.
Subi a capinha de proteção do teclado digital e teclei a senha
da porta eletrônica e no minuto em que entrei no meu apartamento,
a raiva pelo breve roubo da minha moto começou a dar espaço para
a curiosidade.
Por que diabos ela estava fugindo dos seguranças? Devia ser
uma das tantas garotas bem de vida que nossa empresa cuidava
vez ou outra. Mas com toda certeza aqueles três não trabalhavam
para a Grey  Security. Nunca em nossa história um guarda-costas
perdeu o VIP, e naquela situação havia três deles no encalço da
garota. TRÊS! Ou eles eram péssimos profissionais, ou ela era uma
fugitiva muito boa.
Parei diante do pequeno bar posicionado ao lado da minha
sala de estar, tomada por tons de preto e cinza que tornavam o
ambiente mais escuro e prazeroso. Servi-me de uma dose de
uísque puro e a virei em uma golada, sentindo o gosto forte descer

quente pela garganta e tornei a encher o copo. Caminhei até o sofá
de um tom cinza bem escuro e me sentei nele, encarando uma das
paredes de pedra que ornamentavam as laterais da estante.
Comprimi os lábios com força, sem saber qual foi o momento
que perdi o controle do que acontecia naquela noite. Será que foi
quando a vi dançando no bar? Ou quando aquela descarada me beijou?
E pelo inferno, aquele foi o beijo mais tosco que já dei em
alguém, então por que ainda estava pensando nele?
A leveza do toque, o perfume instigante e envolvente. E os
olhos... porra, era a pior lembrança de toda aquela noite miserável.
Encará-la era como olhar diretamente para um farol. A pequena
ladra era linda, deveria admitir, mas fiquei tão cego pela raiva que só
fui capaz de assimilar aquilo agora. Quando a vi naquela praia, tudo
que queria era despejar sobre ela toda a fúria que estava sentindo.
Por Deus, queria enfiá-la naquela areia! De verdade.
Mas, quando me aproximei, ela se virou para mim com um
sorriso enorme preso ao rosto. Um sorriso que não me enganava
nem um pouco. Ainda conseguia me lembrar como se ela estivesse
diante de mim. As esferas verdes, antes brilhantes e cheias de vida,
estavam tristes. A maquiagem, muito mais borrada do que eu vira
na boate, dizia-me que ela andou chorando e por mais que a
odiasse profundamente, ver uma mulher chorar não me agradava
nem um pouco.
Por um instante quis saber o que causou aquilo, mas quando
um grão de areia caiu no tapete da minha sala, toda dúvida
desapareceu e cedeu lugar à vontade de estrangulá-la novamente.
Que se foda o motivo pelo qual ela estava chorando. Virei
mais uma dose de uísque. Ela não era problema meu e precisava
me lembrar que a safada roubou minha moto. Um monte de
lágrimas não devia me comover, droga.
Mas infelizmente comovia...
Recostei-me no sofá, os problemas que enfrentaria com meu
pai no dia seguinte pareciam pequenos perto de tudo que aconteceu
naquela noite.

SOB A Proteção do Lobo Where stories live. Discover now